Não conheço ninguém de bom senso que tenha qualquer simpatia pelo terrorismo. O terrorismo, como o Diabo e o aipo, é ruim por definição. Não há muito o que discutir. Mesmo assim, uma perspectiva histórica aponta um quadro um pouco mais complexo: esta palavrinha tem sido utilizada, ao longo do tempo, para definir manifestações bastante diversas entre si. É uma expressão curinga que tem sido preenchida com o conteúdo que mais convém a cada contexto histórico e a cada grupo de interesse. Note que não estou relativizando o terror praticado pelo Estado Islâmico ou pela al-Qaeda e que deve ser combatido pelo bem da humanidade. O fundamentalismo não tem justificativa.
Há outras situações, no entanto, em que a questão não é tão clara. O que dizer de Nelson Mandela, herói da África do Sul e prêmio Nobel da Paz, que durante muito tempo foi considerado terrorista em seu país e nos Estados Unidos? Regimes de exceção adoram catalogar como terroristas seus dissidentes, a exemplo do que ocorreu no Brasil da ditadura militar. Por isso, organizações e ativistas têm demonstrado apreensão com a chamada “lei antiterrorismo” aprovada pelo Congresso. O assunto já havia sido debatido na véspera da Copa do Mundo e agora volta à tona com a proximidade da Olimpíada. Megaeventos esportivos são momentos de graça e coexistência, mas também uma ótima oportunidade para interesses escusos entrarem em ação na forma de remoção de populações e repressão a manifestações.
Afinal, o que preocupa os movimentos sociais? Eles temem que, em nome do combate ao terrorismo ou ao “terrorismo”, as forças policiais tenham salvo-conduto para reprimir protestos legítimos. É verdade que o texto da nova lei deixa claro que “não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional”. Mas o bom ou mau uso da legislação terá de ser verificado na prática.
Muitos têm apontado uma ironia: o projeto de lei foi de autoria do Executivo, liderado por uma ex-militante que conheceu, nos tempos de ditadura, o mau uso que a palavra “terrorismo” pode ter. Especialistas têm analisado que a lei foi motivada pela pressão internacional de organizações como o Gafi (Grupo de Ação Financeira) – o Brasil estaria evitando, assim, sofrer sanções comerciais. Pode ser. Mas a polêmica que circundou a inserção, no projeto de lei, da exceção referente aos movimentos sociais é um indicador de que o debate ainda está longe de encontrar um desfecho.
*O colunista Tulio Milman está em férias.