Não sei se você já ouviu falar de Kwame Anthony Appiah. Quem frequenta o Fronteiras do Pensamento teve a oportunidade de assistir a uma palestra dele ao vivo em Porto Alegre e em São Paulo em 2013. O filósofo inglês, que cresceu em Gana (sua origem familiar é dividida entre os dois países), trouxe, na ocasião, uma conferência baseada no livro O Código de Honra - Como Ocorrem as Revoluções Morais (Companhia das Letras), que havia sido lançado um ano antes no Brasil.
Appiah é um daqueles autores para os quais sempre retornamos, descobrindo novas possibilidades. Sua tese inovadora procura entender como ocorrem grandes mudanças em práticas arraigadas na tradição e que, depois de uma ou duas gerações, desaparecem. Por exemplo: o antigo hábito chinês de amarrar os dedos dos pés das mulheres e a mutilação genital feminina em países da África.Para o filósofo, o que está por trás destas revoluções é a honra: elas acontecem quando uma prática considerada honrosa passa a não ser mais vista desta forma. Isso não ocorre por acidente. São necessários agentes para essas mudanças, que serão mais eficazes se a transformação decorrer de uma nova postura interna da sociedade, e não de uma imposição de fora. Ao final, Appiah deixou uma reflexão aos brasileiros: o que nossos descendentes criticarão em nosso tempo?
Não me parece haver qualquer dúvida quanto à grande questão moral do país, captada por uma pesquisa do Datafolha de novembro último: pela primeira vez, os brasileiros elegeram a corrupção como nosso maior problema - 34% dos entrevistados pensam assim. É mais do que o dobro da saúde, a principal questão para 16% de nós. O desemprego é citado por 10%. Depois, vêm educação e violência, cada um com 8%.
Japoneses são capazes de se suicidar depois de perder a honra (não estou dizendo que isso seja certo). Brasileiros são incapazes de se afastar de um cargo político para que sejam apuradas denúncias de corrupção contra sua pessoa. Aqui, é assim: enquanto o outro não parar de trapacear, também não paro. Afinal, ninguém quer ficar de fora da festa. O Brasil é esse lugar pitoresco em que um corrupto critica publicamente a corrupção do outro. Vemos isso diariamente no noticiário. Quem quer santo vai na igreja. Enquanto um corrupto não é investigado, é tratado simplesmente como malandro _ um malandro federal, como diria Chico Buarque. Tudo bem: tapinha nas costas e segue o baile.Voltando a Appiah, para fechar: como bom filósofo, ele não oferece uma receita, mas traz uma nota de esperança. Hábitos que parecem eternos podem desaparecer com o tempo. Para que isso ocorra, é preciso que uma geração ou mais de uma se mobilize. E que não tenha medo de fazer uma revolução.
*O colunista Tulio Milman está em férias.