Filmes como O Dia do Atentado (Patriots Day, 2016), que a RBS TV exibe na Tela Quente desta segunda-feira (10), assumem um grande desafio ao resolverem reconstituir uma história — seja trágica, seja heroica ou as duas coisas — que aconteceu há pouco tempo e que foi bastante acompanhada pela imprensa e pelo público. Ainda mais na era do compartilhamento instantâneo pelas redes sociais.
Um exemplo recente é o do documentário semifinalista do Oscar The Rescue (2021), em cartaz no Disney+, no qual o casal de diretores Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi recontam a operação de resgate de um time de futebol juvenil em uma caverna submersa da Tailândia, entre junho e julho de 2018. Para oferecer algo além do que o mundo assistira apenas três anos antes, a solução encontrada foi mergulhar nos bastidores, graças ao acesso a 87 horas inéditas de gravações feitas pela Marinha do país do Sudeste Asiático e ao investimento na trajetória dos homens que se voluntariaram para o complicadíssimo salvamento.
O Dia do Atentado é uma ficção, portanto, naturalmente dispõe de maior liberdade artística para abordar o antes, o durante e o depois do ataque terrorista nas proximidades da linha de chegada da Maratona de Boston, em 15 de abril de 2013 (ou seja, há 10 anos). Mas essa condição não exime o filme de buscar fidelidade aos fatos históricos, sobretudo quando seguiam tão presentes na memória coletiva.
Lançado três meses e meio após as explosões que mataram três pessoas — entre elas, um menino de oito anos — e feriram 264, O Dia do Atentado encerrou uma espécie de trilogia baseada em histórias reais de bravura dirigida por Peter Berg e estrelada por Mark Wahlberg. Antes, vieram O Grande Herói (2013), sobre uma fracassada missão militar no Afeganistão, em 2005, e Horizonte Profundo (2016), dramatização do desastre em uma plataforma de extração de petróleo no Golfo do México, em 2010.
Na comparação com os dois títulos, uma diferença marcante é que desta vez Wahlberg interpreta um personagem fictício. E esse é justamente um ponto bastante discutível de O Dia do Atentado, pelo menos para os moradores de Boston.
Um nativo da capital do Estado de Massachusetts, o ator encarna o sargento Tommy Saunders, que funcionará como nosso guia narrativo, participando da maioria dos eventos importantes. "O foco no personagem de Wahlberg vai de encontro ao que aconteceu naquela semana, quando toda a cidade — não apenas um cara — se levantou para a ocasião", escreveu no jornal The New York Times Katharine Q. Seelye, que fez a cobertura do atentado. "Nós realmente não queremos ver pessoas que não estavam lá. Especialmente quando em todos os lugares há pessoas que estavam lá", apontou o crítico Ty Burr no Boston Globe.
Mas praticamente todos os demais personagens são reais — vários dos verdadeiros inclusive participaram dos bastidores da produção e aparecem no tocante epílogo. E há muitos personagens em cena — a trama multifacetada é uma das virtudes de O Dia do Atentado. Outra é a capacidade de provocar tensão no espectador que desconhece os detalhes da história.
É apenas com o decorrer do tempo que vamos entender o papel do casal Jessica Kensky (vivida por Rachel Brosnahan, ganhadora do Emmy pela série Maravilhosa Sra. Meisel) e Patrick Downes (Chris O'Shea). Ou do estudante universitário Dun Meng (Jimmy O. Yang, das comédias Podres de Ricos e Um Match Surpresa), que vai protagonizar momentos dignos dos thrillers de suspense, mas que ocorreram mesmo nos dias subsequentes ao ataque perpetrado, com bombas feitas em panelas de pressão, pelos irmãos vindos do Quirguistão Tamerlan Tsarnaev (Themo Melikidze) e Dzhokhar Tsarnaev (Alex Wolff, de Tempo e Pig).
Na outra ponta, estão as forças policiais. Além de Saunders, temos, entre outros, o agente do FBI Richard Deslauriers (Kevin Bacon), o comissário Ed David (John Goodman), o veterano sargento Jeffrey Pugliese (J.K. Simmons) e o patrulheiro Sean Collier (Jake Picking, o Rock Hudson na minissérie Hollywood). O trabalho de investigação inclui dilemas verídicos — divulgar ou não as imagens dos suspeitos? —, confusões também verídicas (na caçada aos Tsarnaev, houve tiros contra um carro que era da própria polícia) e cenas verídicas: para, por exemplo, tentar traçar a rota dos irmãos terroristas, o cineasta Peter Berg combina o trabalho do diretor de fotografia Tobias A. Schliessler com imagens captadas por câmeras de segurança. A edição assinada por Gabriel Fleming e Colby Parker Jr. e a trilha sonora composta pela dupla Atticus Ross e Trent Reznor (vencedores do Oscar por A Rede Social e Soul e do Emmy por Watchmen) contribuem para que o espectador fique sem fôlego em muitos momentos — como o do brutal tiroteio nas ruas de Watertown.
Outros filmes sobre o ataque à Maratona de Boston
O Dia do Atentado não é o único filme sobre as explosões na Maratona de Boston. O documentário O Ataque à Maratona de Boston (2016), de Ricki Stern, está disponível na HBO Max.
O MGM e o Star+ apresentam O que te Faz Mais Forte (Stronger, 2017), ficção baseada no livro que o estadunidense Jeff Bauman, hoje com 36 anos, escreveu sobre seu próprio drama — Jake Gyllenhaal interpreta o personagem, que não tem destaque em O Dia do Atentado. Naquele 15 de abril de 2013, ele estava assistindo à corrida. Esperava sua namorada, Erin Hurley (papel de Tatiana Maslany), completar a prova. Seu sofrimento se espalhou pelo mundo. É ele o jovem de uma foto chocante, aquela em que o homem com chapéu de caubói (o ativista Carlos Arredondo) segura com a mão uma das artérias de Bauman, após o rapaz perder parte das pernas nas explosões. Como a gente se recupera de uma coisa assim? Esse é o foco do filme dirigido por David Gordon Green.