Lançado pela Netflix na sexta-feira (10), Imperdoável (The Unforgivable, 2021) é um filme estrelado por Sandra Bullock que exemplifica como a crítica e o público podem divergir bastante. (E essa polarização certamente contribui para o sucesso da audiência na plataforma de streaming: era o top 1 do Brasil na segunda e continua sendo nesta terça.)
Os números comprovam. No site Metacritic, que compila avaliações da imprensa dos Estados Unidos, do Canadá e do Reino Unido, a nota média é 4,1, mas a do público está em 7,2 sobre 10. No agregador Rotten Tomatoes, 40% das resenhas são favoráveis, mas 81% da audiência recomenda o filme.
Entre os críticos, parece consenso que, ao adaptar a minissérie britânica em três episódios Unforgiven (2009), escrita por Sally Wainwright, os roteiristas Peter Craig, Hillary Seitz e Courtenay Miles entregaram à diretora alemã Nora Fingscheidt — do multipremiado Transtorno Explosivo (2019), disponível no Telecine e na Apple TV — uma trama com muitas pontas para serem exploradas em 110 minutos.
Temos, de fato, vários pontos de vista: o da protagonista, Ruth Slater (Sandra Bullock), que, após cumprir 20 anos de prisão por causa de um homicídio, tenta reconstruir a vida em Seattle e reencontrar a irmã caçula.
O de Katherine (Aisling Franciosi, das séries The Fall e Game of Thrones), que foi adotada e virou uma talentosa pianista.
O dos pais adotivos (Richard Thomas e Linda Emond) e o da nova irmã.
O do agente da liberdade condicional, Vince Cross (Rob Morgan, de Luta por Justiça).
O do advogado (Vincent D'Onofrio, em um papel bem diferente do habitual) que pode ser que ajude Ruth, e o da esposa dele (Viola Davis, em participação pequena, mas poderosa), que não vê essa aproximação com bons olhos.
O de Blake (Jon Bernthal, sempre carismático), colega de emprego da personagem principal em uma peixaria.
O dos irmãos Keith e Steve, ligados ao crime cometido duas décadas atrás.
Entre o público, ainda que Imperdoável esteja longe de ser uma unanimidade, parece consenso que eventuais problemas de ritmo ou mesmo de plausibilidade são suplantados. Primeiro, por conta da atuação de Sandra Bullock, que encontra um interessante equilíbrio entre a restrição e o brio — três anos depois de Bird Box (2018), a atriz volta a demonstrar força na condição de uma personagem maternal exposta a desafios dolorosos.
Segundo, por conta dos temas levantados (alguns mais trabalhados, outros nem tanto, vale dizer): todos temos direito a uma segunda chance? A redenção distingue cor de pele? Como fazer a vida continuar depois de um episódio brutal? Por quanto tempo pode-se esconder de alguém um trauma? Qual é a força dos laços familiares?
Terceiro — e aqui está a encruzilhada que geralmente separa de vez críticos e espectadores —, pela carga emotiva. Somos, por natureza do ofício, mais reflexivos, mais céticos, mais dedicados a encontrar pontos negativos nos filmes. Mas, às vezes, esses pontos podem ser perdoados, sobretudo quando o órgão atingido não é o cérebro, mas o coração. E Imperdoável adota uma frieza que torna mais incisiva sua flechada sentimental. Em meio a situações artificiais e desenvolvimentos incompletos, acabou me pegando em cheio quando disparou a verdade.