Para o bem e para o mal, Divaldo – O Mensageiro da Paz é um filme didático.
Por um lado, a cinebiografia que entra em cartaz nesta quinta (12) é eficaz em explicar, para leigos como eu, a doutrina do espiritismo. Permite entender por que tanta gente – são cerca de 4 milhões no Brasil – se sente acolhida na religião codificada por Allan Kardec (1804-1869). É bastante confortador ouvir que não existe a morte, que nossos entes queridos só abandonam o corpo que conhecemos e elevam-se ao plano espiritual para futuramente reencarnarem. É profundamente necessária, nos dias de hoje, em meio à violência urbana e à disseminação do ódio nas redes sociais, a mensagem de amor ao próximo difundida pelo biografado, o médium, professor e orador Divaldo Pereira Franco, baiano de 92 anos que há quase sete décadas pratica a caridade – com o amigo Nilson de Souza Pereira (1924-2013), fundou em 1952 a Mansão do Caminho, que abriga e ajuda milhares de crianças da periferia de Salvador. Eis um filme que nos aquece a alma e nos faz acreditar no caminho do bem.
Por outro lado, esse compromisso de condensar em duas horas os princípios do espiritismo e boa parte da trajetória de Divaldo engessou o filme escrito e dirigido por Clovis Mello (da comédia dramática Ninguém Ama Ninguém por Mais de Dois Anos, de 2015) – ele próprio um kardecista nascido em uma família italiana e católica, como frisa no material de divulgação. Limitou o alcance artístico da obra, o que se traduz em atuações, na sua maioria, sem viço e em diálogos que soam artificiais, pois dotados de explicações, reiterações do que se está vendo e uso de termos, digamos, técnicos (como “afinidade fluídica”). Divaldo, que, segundo consta, fez como única exigência o pedido de uma adaptação bem-humorada (e, de fato, ela tem sua leveza e pode arrancar algumas risadas), é retratado quase como um santo, passando incólume por eventuais conflitos dramáticos. O Espírito Obsessor, supostamente um tormento, não faz nem cócegas no médium baiano, que, na arena das palavras (e como se fala neste filme!), vence com uma mão nas costas. Onde Divaldo é mais incisivo é nas críticas à Igreja Católica. O padre, como que adotando a tática perversa das fake news, associa o espiritismo ao Diabo. Em outro momento, ele condena o suicídio de uma irmã de Divaldo, abrindo margem para uma discussão sobre as leis de Deus versus as leis da Igreja.
Por conta dessa opção pelo didatismo, a história é contada de forma bem linear. Começa em 1933, na cidade de Feira de Santana, onde o então menino Divaldo (João Bravo) pede ajuda à mãe, Dona Ana (Laila Garin), para lidar com as almas desencarnadas que diz ver – entre elas, Joanna de Angelis (Regiane Alves, prejudicada pelo excesso de texto), sua guia espiritual, e o Espírito Obsessor (Marcos Veras, entre o enérgico e o caricato). O pai, cético, fica dividido entre a repressão e a omissão. A adolescência e a juventude ocupam mais da metade do filme, com Ghilherme Lobo (de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho) exagerando no tom cômico – por conta disso, é difícil acreditar que Divaldo tenha sofrido qualquer tipo de problema ou dilema. Bruno Garcia, apesar de encabeçar o elenco, entra somente no final da trama, como a versão adulta do médium. Em poucos minutos, praticamente não altera as expressões de seu rosto, mas diz boas frases de efeito, daquelas que grudam na gente:
— Quem se dedica a enxugar a lágrima do outro não tem tempo para chorar.
Por falar em frases de efeito, há uma bela evocação de imagem naquela que talvez seja a cena mais bem-acabada de Divaldo. Há uma comunhão entre direção, fotografia, montagem e elenco na visita que o baiano faz ao médium mineiro Chico Xavier (1910-2002), outro personagem marcante do espiritismo que já foi biografado no cinema (por Daniel Filho, em 2010, com Nelson Xavier no papel principal), a exemplo de Bezerra de Menezes (levado às telas em 2008) e o próprio Kardec (no filme homônimo de 2019). Clovis Mello filma com calma e poesia o encontro, no qual Divaldo, ao se propor a trabalhar junto a Chico (interpretado por Álamo Facó), recebe como resposta:
— Somos como dois postes. Temos de ficar separados para levar luz a mais lugares.
Mas quem ilumina mesmo o filme, a cada cena em que surge, é Laila Garin. Foi um acerto do diretor mantê-la no papel nas três fases do longa: contribui para a identificação do espectador com um personagem, é ela quem guia nossas emoções. Protagonista do espetáculo teatral Elis, o Musical e atriz da novela Rock Story e do seriado 3%, ela consegue transmitir, às vezes só com o olhar, todos os sentimentos da mãe do médium: o carinho, a dúvida, a indignação e, por fim, a paz de espírito trazida pelo filho. O protagonista pode ser Divaldo, mas é Dona Ana quem vale a viagem.