Não se tratou "apenas" de uma volta ao mundo. Foi também um tempo para reflexão. E, de volta a Porto Alegre, a jornalista Fernanda Pandolfi agora prepara um livro com o resultado dessa viagem que passou por 36 países e cem cidades ao longo de 270 dias. Autora do projeto Ida e Volta, dias atrás ela reuniu um grupo para contar um pouco do que viu/viveu. Ainda digerindo a jornada, Fernanda fala um pouco sobre sua aventura na entrevista abaixo.
Que tipo de livro pretendes escrever? Ele vai organizar teu diário de viagem ou será algo além?
Desde o início, o propósito do Ida e Volta era não ser mais um blog de dicas de viagens. No meu conceito, viagem funciona como agente de mudanças na vida das pessoas, por isso escrevo crônicas sobre os insights que tenho ao conhecer lugares e pessoas novas. O livro vai reunir todas as crônicas escritas ao longo do caminho e será amarrado com o que me levou a partir e a voltar, a estrada de autoconhecimento que fui trilhando.
O que foi mais difícil? Partir ou voltar?
Acredito que tenha sido a partida. A volta já estava programada desde sempre, e a partida me apresentava uma infinidade de dúvidas e angústias ao estilo: "Será que vou dar conta?", "Vou me virar bem sozinha?", "Será que é o momento certo?". No fim das contas, só reforcei o lema do Ida e Volta: "Ir é bem mais interessante quando voltar faz sentido". Se você tem por que ou por quem voltar, a ida é muito mais fácil.
Como montaste teu roteiro?
Eu comprei a passagem de Volta ao Mundo — muita gente não sabe, mas, sim, existe esta maravilha — da Star Alliance. Saí do Brasil com as 10 principais paradas organizadas e a volta comprada, que acabei adiando em 20 dias. Sabia que seriam 15 dias entre Cuba e Nova York, três meses na Europa, um na África, três na Ásia e um na Oceania. No meio disso, eu ia organizando o roteiro conforme os preços das passagens e as oportunidades que surgiam.
Não viajaste sempre sozinha, mas nos teus roteiros solo, o que foi melhor? E o que foi pior?
Muitas pessoas foram me encontrar no meio do caminho e outras tantas eu conheci nele. Na verdade, viajar sozinho abre um tantão de portas para novas amizades. Brinco que há uma espécie de pacto não declarado entre os mochileiros, que acabam se identificando, se ajudando e se unindo na estrada. Além da família e de alguns amigos, um grupo Diário de Bordo me encontrou na Índia para uma viagem colaborativa entre o Ida e Volta e a agência. Foi engrandecedor tomar a frente como viajante profissional e poder dividir a experiência. Quanto aos roteiros solo, o melhor foi a independência de ir e vir, comer quando tem fome, dormir quando tem sono, pensar em mim em tempo integral — em vários sentidos. O mais difícil é não ter com quem compartilhar. Em alguns momentos, quando eu estava frente a uma experiência muito bacana, logo após passar o pico de felicidade, eu entrava em uma melancolia por pensar que ninguém que eu amava estava por perto para dividir comigo.
Dos 36 países visitados, qual teu preferido? O que ele tem que os outros 35 não têm?
É muito difícil escolher um, mas vou apontar a Índia. Foi o lugar onde passei mais tempo, um mês ao todo, e onde consegui enxergar mudanças que levarei pro resto dos meus dias. Passei 15 dias em um ashram, espécie de retiro para yoga e meditação, participei da festa de Diwali na casa de uma família indiana e caminhei descalça por templos e ruas. Como disse um indiano que conheci: "Para vir à Índia tem de ter a cabeça aberta; o coração os indianos se encarregam de abrir".
E das cem cidades, qual foi teu amor à primeira vista?
Flam, na Noruega. Fiquei em um hotelzinho no meio dos fiordes e quando abria a janela de manhã enxergava aquela paisagem exuberante, de tirar o fôlego. O trajeto Norway in a Nutshell, que é feito de trem entre as cidades do interior do país, é o que eu vi de mais lindo neste mundo.
A propósito: foste só a lugares que não conhecias? Ou repetiste algum destino?
Em princípio, queria focar só em lugares que não conhecia, mas por conta do destino e da influência da estrada mesmo, acabei repetindo alguns — Nova York, Paris, Milão, Joanesburgo, Cidade do Cabo e Bangkok.
Das lições aprendidas ao longo de 270 dias, qual a principal?
É impossível se deixar apaixonar por alguém que não se ama. A gente precisa se amar para ser amado. E autoconhecimento é afrodisíaco, ainda mais quando trabalhado em viagem.