O jornalista Carlos Rollsing colabora com a colunista Rosane de Oliveira, titular deste espaço
Proprietário da Spar Participações e Desenvolvimento Imobiliário, empresa líder do consórcio Pulsa RS, que arrematou concessão, por 30 anos, do Cais Mauá, em Porto Alegre, o arquiteto Sérgio Luís Fernandes Stein declarou em currículo ter formação em desenvolvimento imobiliário e engenharia na Harvard Business School e na Columbia Engineering, duas prestigiadas instituições de educação do mundo, sediadas nos Estados Unidos. As duas universidades, contudo, afirmaram jamais terem tido o registro de qualquer aluno com essa identificação.
A reportagem questionou se Stein já tinha feito formação em desenvolvimento imobiliário e engenharia ou qualquer outro curso nas entidades. Em caso afirmativo, foi perguntado se houve conclusão e qual o tempo de duração da formação. A Harvard Business School, de Boston, respondeu: “Não temos uma pessoa com esse nome como ex-aluno”. Já a Columbia Engineering, localizada em Nova York, registrou: “Em referência à consulta de Sérgio Luís Fernandes Stein, não conseguimos localizar qualquer informação sobre este indivíduo em nossos registros”.
As respostas das duas instituições apontam inconsistência de informações no currículo de Stein, distribuído pela comunicação do consórcio Pulsa RS. As mesmas referências constam em perfil pessoal de Stein em rede social. A reportagem entrou em contato com a assessoria de Stein, que assegurou a realização das mencionadas formações. A equipe do empresário enviou um certificado com o timbre de Harvard Business School informando a conclusão de um seminário de quatro dias, em março de 2012, de executivo imobiliário, mercado de capitais, financiamento de projetos e estratégia de negócio. Não há nenhuma menção sobre formação em engenharia, nem mesmo um seminário.
Já sobre a formação em Columbia Engineering, a assessoria de Stein enviou um e-mail de conclusão de curso online de “gestão financeira de construção”, emitido pela Emeritus, instituição que anuncia ter “colaboração” com mais de 80 universidades para fornecer cursos, incluindo Columbia. Neste caso, não há novamente nenhuma formação em engenharia e a entidade certificadora foi a Emeritus. Quatro horas depois do e-mail, a assessoria de Stein enviou um diploma com as marcas da Emeritus e de Columbia, informando formação, em setembro de 2021, no mesmo curso online de "gestão financeira de construção", sem nenhuma menção à engenharia. Em seu site, a Emeritus anuncia: "conquiste certificados e MBAs de universidades como Harvard, MIT, Columbia".
A assessoria de Stein avalia que tratou-se de um problema de tradução no momento de formular a biografia contida no perfil pessoal do empresário e no distribuído à imprensa pela sua equipe após o leilão: “A tradução literal para o português seria ‘construção’, ou melhor, gestão financeira de construção, para a ideia exata da formação executiva realizada junto à Columbia Engineering.” A equipe de Stein acrescentou: “O LinkedIn do executivo Sérgio Stein traduz de forma detalhada as experiências e expertises em projetos de gestão de infraestrutura e desenvolvimento imobiliário, assim como a graduação em arquitetura, que resumem de forma fidedigna a trajetória profissional dele. Conforme evidências encaminhadas, as formações executivas mencionadas foram realizadas e estão devidamente comprovadas.”
Depois dos questionamentos da reportagem, a assessoria de Stein enviou um novo currículo, suprimindo trechos inconsistentes: "Além de formado em Arquitetura pela UFRGS e de ter acumulado expertises técnicas em projetos de infraestrutura e desenvolvimento imobiliário, Sérgio Stein participou de formações e vivências executivas na Harvard Business School com foco em real estate development, em 2012, e do curso online Construction Finance Management pela Columbia Engineering, em setembro de 2021".
O governo estadual se manifestou em nota sobre as inconsistências: “A Secretaria de Parcerias e Concessões informa que o edital de concessão do Cais Mauá exige a participação de pessoas jurídicas (sozinhas ou em consórcio). Nesse processo, que está em fase de homologação, o Executivo não terá vínculo com pessoas físicas. A avaliação da Comissão de Licitação e da B3 está adstrita às exigências do edital de licitação.”
O leilão
O Pulsa RS arrematou o Cais Mauá em leilão de lance único, sem concorrentes, realizado no dia 6 de fevereiro, na bolsa B3, em São Paulo. O consórcio é formado pela Spar Participações, na condição de líder, e pela Credlar Empreendimentos Imobiliários, empresa de construção de edifícios residenciais sediada em Praia Grande (SP). Stein é o único proprietário da Spar, empresa que funcionou, entre 2013 e 2023, em um apartamento residencial no bairro Jardim Botânico, em Porto Alegre, onde ele originalmente declarava residência. O capital social da Spar é de R$ 10 mil e o seu enquadramento é de microempresa (ME), que limita a receita bruta anual a R$ 360 mil.
O leilão do Cais Mauá estava marcado para ocorrer em 21 de dezembro de 2023, mas o governo Eduardo Leite o adiou às vésperas da data sob a justificativa de atender a pedido de investidores interessados. Neste hiato, Stein fez uma alteração contratual no dia 10 de janeiro de 2024, dias antes do leilão que ocorreu em 6 de fevereiro, e transferiu a sede da Spar para um endereço fiscal localizado em prédio comercial na Avenida Carlos Gomes, também em Porto Alegre. No local, funciona uma empresa chamada Company Hero, que empresta endereços em zonas nobres de grandes cidades para o registro de outros CNPJs na Receita Federal. Além disso, o local serve apenas para o recebimento de correspondências.
O consórcio Pulsa RS tem salientado que cumpriu todas as exigências do edital e que novos parceiros da iniciativa serão apresentados após a assinatura do contrato. Atualmente, a B3 e a comissão de licitação do governo estadual seguem na etapa de conferência de documentos. Se estiver tudo certo, o resultado do leilão é homologado, ou seja, formalmente validado. Depois disso, devem ser cumpridas outras etapas, como a formação da Sociedade de Propósito Específico (SPE) para administrar exclusivamente o Cais Mauá, com capital social mínimo de R$ 130,7 milhões - valor em dinheiro ou bens que formam o patrimônio da companhia. Também terão de ser apresentadas as garantias financeiras de execução e o plano de seguros para riscos.
Após a assinatura de contrato, a parceira privada será gestora do Cais Mauá por 30 anos. Estão previstos investimentos de R$ 353,5 milhões em revitalizações, urbanizações e construção de novo modelo de contenção de enchentes. O local deverá ter atrações gastronômicas, culturais e de lazer. Para se remunerar, o investidor também poderá construir prédios residenciais e comerciais na área das docas, próximo da rodoviária de Porto Alegre.