Prepare o bolso e o coração para pagar uma conta que não é sua: o Conselho da Justiça Federal se antecipou à votação da proposta que restabelece o adicional de tempo de serviço para os magistrados e aprovou uma espécie de Lotofácil para os juízes federais. Trata-se de quinquênios de 5%, retroativos aos últimos 16 anos e corrigidos pela inflação.
Não há cálculos exatos de quanto essa decisão vai custar aos cofres públicos, mas a estimativa é de que cada magistrado que entrou na carreira antes de 2006 receberá algo como R$ 2 milhões. É mais ou menos o que paga a Lotofácil para o mortal que acerta sozinho um concurso que não está acumulado.
O efeito cascata produzirá um rombo nas contas públicas, mas quem se importa? O mercado, tão atento quando se trata de auxílio para famílias de baixa renda, não tugiu nem mugiu nestes 15 dias. A volta do benefício foi aprovada em 16 de novembro, quando as atenções nacionais estavam voltadas à transição e ao início da Copa do Catar.
Quem acredita em Papai Noel pode estar achando que a conta nem é tão pesada assim porque, afinal, juízes federais que ingressaram na carreira até 2006 não são muitos. Doce ilusão. O que se vê na prática é que esse tipo de benesse começa pela Justiça Federal e se estende a todas as instâncias do Judiciário, porque a magistratura é única.
Não levará muito tempo para que pleito semelhante seja apreciado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Criado no início deste século, mais precisamente em 2004, para ser o órgão de controle externo do Judiciário, o CNJ transformou-se, na prática, em um sindicato que aprova benefícios sem perguntar se o patrão (o povo, no caso) tem condições de pagar a conta. Volta e meia, aprova um benefício por resolução e os tribunais estaduais tratam de estender a vantagem aos seus.
Como outras carreiras gozam de isonomia, o penduricalho acabará por engordar contracheques no Ministério Público, nos tribunais de contas e em outras carreiras jurídicas. No Rio Grande do Sul, a coluna mostrou em março que membros do Ministério Público já solicitaram ao comando da instituição o pagamento de uma “parcela de irredutibilidade” equivalente aos adicionais por tempo de serviço adquiridos até abril de 2006.
Aqui é preciso retroceder no tempo para lembrar como e por que foi extinto o adicional de tempo de serviço a cada cinco anos. O fim dos penduricalhos era o principal argumento das associações de magistrados para a adoção do sistema de subsídio na remuneração. Dizia-se, sem corar, que isso daria transparência ao gasto público, porque o cidadão que paga a conta teria uma tabela decrescente, a partir do subsídio de ministro do Supremo Tribunal Federal, para saber quanto ganha um juiz em cada faixa. Desembargadores, por exemplo, ganhariam 90,25% do subsídio de ministro do Supremo.
Poucos anos depois começaram as tentativas para retomar o adicional de tempo de serviço com o argumento de que a carreira se tornara desinteressante. Justificativa inconsistente, dado que todos os concursos públicos têm intensa disputa pelas vagas e poucos são os magistrados que abandonam a carreira para militar na advocacia privada.
E se você, pagador de impostos, não gostou da decisão, paciência. Sempre se pode recorrer ao... Judiciário. Que decidirá em causa própria.
Aliás
No Senado, o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) pautou para esta quarta-feira (30) a votação da proposta que reestabelece o aumento automático de 5% a cada cinco anos para magistrados. O adicional pode chegar a 35% e estaria livre do teto constitucional, hoje em R$ 39,2 mil.