Jornalista formada pela PUCRS, colunista de Política de ZH e apresentadora do programa Gaúcha Atualidade, na Rádio Gaúcha.

Gol contra
Opinião

Ameaça de Bolsonaro contra técnicos da Anvisa revolta comunidade científica

Associação dos funcionários emitiu nota repudiando declarações do presidente de que queria divulgar nomes de quem aprovou vacina para crianças

Rosane de Oliveira

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Não bastasse o corpo mole para comprar a vacina da Pfizer aprovada pela Anvisa para crianças de cinco a 11 anos, e que é diferente da dos adultos, o presidente Jair Bolsonaro trocou os pés pelas mãos ao tentar intimidar os técnicos da agência. A declaração feita na live de quinta-feira (16), em tom de ameaça, de que queria divulgar o nome de quem aprovou a imunização, gerou uma onda de indignação entre os funcionários da Anvisa, que de imediato ganharam o apoio de médicos e cientistas. 

Um manifesto assinado por dezenas dos mais renomados médicos e pesquisadores do país começou a circular na tarde desta sexta-feira (17) e ganhou adesão imediata no grupo Unidos pela Saúde, que nasceu no Rio Grande do Sul e se estendeu pelo Brasil no auge da pandemia. Mais do que expressar solidariedade aos técnicos da Anvisa, o manifesto redigido pelo enfermeiro Wanderson Oliveira, que foi secretário nacional de vigilância em Saúde na gestão de Luiz Henrique Mandetta, rebate com argumentos e dados as notícias falsas sobre eficácia e efeitos adversos da vacina em crianças e adolescentes (confira a íntegra ao final do texto).   

 —  Não sei se são os diretores e o presidente que chegaram a essa conclusão ou é o tal do corpo técnico, mas, seja qual for, você tem o direito de saber o nome das pessoas que aprovaram aqui a vacina a partir dos cinco anos para o seu filho. (...) Agora mexe com as crianças. Então quem é responsável é você pai. Tenho uma filha de 11 anos. Vou estudar com a minha esposa qual decisão tomar  —  disse Bolsonaro na live. 

Em nota, a Univisa disse repudiar ameaças contra o corpo técnico. Sem citar o nome de Bolsonaro, a nota destaca que, recentemente, com os rumores de possível decisão sobre a liberação da vacina para crianças, diretores e servidores da Anvisa sofreram ameaças. 

“Tendo como pano de fundo um discurso negacionista e anticientífico – antagônico à boa técnica e às boas práticas regulatórias – servidores públicos foram ameaçados pelo regular exercício do seu dever funcional. Algo extremamente incompatível com o regime democrático e que deveria inspirar a máxima atenção das autoridades competentes”, diz a nota. 

No parágrafo seguinte, fica claro que os técnicos se referem a Bolsonaro: “Nesse contexto, a intenção de se divulgar a identidade dos envolvidos na análise técnica não traz consigo qualquer interesse republicano. Antes, mostra-se como ameaça de retaliação que, não encontrando meios institucionais para fazê-lo, vale-se da incitação ao cidadão, método abertamente fascista e cujos resultados podem ser trágicos e violentos, colocando em risco a vida e a integridade física de servidores da Agência. Uma atitude que demonstra desprezo pelos princípios constitucionais da Administração Pública, pelas decisões técnicas da agência e pela vida dos seus servidores.” 

Se vivêssemos em tempos normais, o nome dos técnicos da Anvisa deveria ser divulgado para que os pais aflitos com o risco de suas crianças contraírem o coronavírus pudessem tirar o chapéu para saudá-los. Não vivemos. Como bem lembrou o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, em entrevista ao Gaúcha Atualidade, vivemos tempo difíceis, em que se disseminam mentiras pelas redes sociais sem o menor pudor.  

Depois da live em que Bolsonaro, repleta de insinuações, e da vacilação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, os críticos da vacina sentiram-se empoderados nas redes sociais. Citam-se dado falsos para defender a tese de que a vacina é perigosa e que morrem mais crianças em consequência dos efeitos colaterais do que de covid-19. Falso. Nos Estados Unidos, onde já foram aplicadas 7 milhões de doses em crianças dessa faixa, só foram registrados oito casos de efeitos colaterais relevantes.  

Confira a íntegra da nota dos servidores da Anvisa: 

Diante da aprovação do uso da vacina Comirnaty (Pfizer) para imunização contra Covid-19 em crianças de 5 a 11 anos de idade, a Univisa vem a público para, mais uma vez, reconhecer o trabalho técnico e incansável realizado pelo corpo de servidores da agência. Ressalte-se a celeridade na tramitação e o rigor técnico da análise que, além dos especialistas em regulação e vigilância sanitária da Anvisa, contou com a participação especialistas da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). 

Recentemente, com os rumores de possível decisão nesse teor, diretores e servidores da Anvisa sofreram ameaças. Tendo como pano de fundo um discurso negacionista e anticientífico – antagônico à boa técnica e às boas práticas regulatórias – servidores públicos foram ameaçados pelo regular exercício do seu dever funcional. Algo extremamente incompatível com o regime democrático e que deveria inspirar a máxima atenção das autoridades competentes. 

Nesse contexto, a intenção de se divulgar a identidade dos envolvidos na análise técnica não traz consigo qualquer interesse republicano. Antes, mostra-se como ameaça de retaliação que, não encontrando meios institucionais para fazê-lo, vale-se da incitação ao cidadão, método abertamente fascista e cujos resultados podem ser trágicos e violentos, colocando em risco a vida e a integridade física de servidores da Agência. Uma atitude que demonstra desprezo pelos princípios constitucionais da Administração Pública, pelas decisões técnicas da agência e pela vida dos seus servidores. 

A Univisa repudia qualquer ameaça proferida contra o corpo técnico da Anvisa, bem como a quaisquer tentativas de intervenção sobre o posicionamento da autoridade sanitária que não advenham do debate estritamente científico e democrático. Além disso, a Associação se solidariza com aquelas e aqueles que, extenuados pela carga de trabalho imposta pela pandemia, veem-se ainda perturbados e constrangidos por ameaças. 

Fato que se torna mais grave quando parte de autoridades que possuem o dever de zelar pela paz, pela saúde pública e pelo cumprimento das decisões da Administração.  

Leia o manifesto de apoio aos técnicos da agência


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