Foi um dia interminável este 31° da quarentena. E pesado do ponto de vista emocional pelo que ocorre no mundo. Quando vi o número custei a acreditar: os Estados Unidos tiveram 4.591 mortes por coronavírus em 24 horas, segundo publicação do The Wall Street Journal. É mais do que o número oficial de mortos em toda a China, por onde o pesadelo começou.
É assustador pelo número em si e porque o presidente do Estados Unidos, Donald Trump, está no grupo dos líderes mundiais que subestimaram a peste e, mesmo diante do número crescente de mortos (já são mais de 33 mil), fala que o pior já passou e acena com a retomada das atividades econômicas.
Também é assustador porque os Estados Unidos, com seu poder econômico, conseguiram comprar suprimentos que não chegam ao Terceiro Mundo. O que será de nós? O que será da África subsaariana? O que será dos países pobres da América Central?
E pensar que o nosso ex-quase-futuro ministro da Saúde Osmar Terra segue firme na sua convicção de que esta é uma pandemia como outra qualquer e que a quarentena é desnecessária. Nos EUA, Estados que adotaram o isolamento mais cedo, como a Califórnia, vivem uma situação menos dramática dos que retardaram ou tentar evitar o lockdown, como Nova York.
O grande fato do dia no Brasil foi a queda anunciada do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, substituído pelo oncologista Nelson Treich. Profissional respeitado, Treich não tem familiaridade com o SUS e na sua primeira manifestação foi ambíguo em relação à suspensão do isolamento, bandeira de Jair Bolsonaro.
Mal o presidente anunciou seu nome e se multiplicou nas redes sociais um vídeo preocupante e revelador do pensamento do ministro de como resolver o dilema da escassez de recursos. O tema era câncer e não coronavírus, mas Teich diz que quando se trabalha com pouco dinheiro é preferível usá-lo para salvar um jovem que tem a vida pela frente a gastar com um paciente velho.
Na esteira da saída de Mandetta, o superintendente do Grupo Hospital Conceição, André Cecchini, pediu demissão. Não poderia haver hora pior para a troca de comando de um hospital público de referência no tratamento de pacientes com a covid-19. Saem também os técnicos que acompanhavam Mandetta e que nos davam sensação de segurança por resistirem às pressões políticas.
Mandetta saiu aliviado, como quem tira um peso das costas. Daqui para a frente, a responsabilidade pelo eventual aumento dos casos e das mortes será do presidente, que estimula aglomerações, e dos governadores e prefeitos, que afrouxam as restrições pressionados por empresários que querem a volta ao trabalho a qualquer custo.
A troca no Ministério da Saúde ocorre no momento em que o Brasil registra 1.924 mortos por coronavírus. São dados oficiais, mas as autoridades admitem que há subnotificação, porque há milhares de testes aguardando pela análise.
Na Serra, empresários e prefeitos se uniram e conseguiram dobrar o governador Eduardo Leite. Agora, cada prefeito vai definir o que fazer. Para não dizer que o dia foi 100% coronavírus, uma perda no mundo da literatura: morreu Luiz Alfredo García-Roza. Pelas páginas de seus livros é possível circular por Copacabana, comer um quibe na Galeria Menescal, frequentar a delegacia que fica ao lado do Pavão Azul, paraíso das pataniscas de bacalhau, sem quebrar a quarentena. O Silêncio da Chuva é o livro mais conhecido, mas recomendo qualquer um, para quem gosta de literatura policial.