No dia do seu 70º aniversário, a Ospa também não pôde sair de casa, nem receber visita, não só porque a senhorinha faz parte do grupo de risco, mas porque o maestro, os músicos e o públicos precisam ser protegidos. A quarentena nos privou da emoção de assistir ao concerto especial no Theatro São Pedro, que teria Mendelssohn e Beethoven e lavaria nossas almas. Foi nesse teatro que a Ospa nasceu para o mundo, em 1950.
Quando tudo passar, o maestro Evandro Matté haverá de reger a orquestra para comemorar todos os aniversários que a peste nos privou de celebrar. Posso imaginar a dor do maestro, na solidão da segunda-feira, comandando uma orquestra imaginária para a plateia vazia. Talvez comece com uma cena assim o filme 2020, O Ano dos Sonhos Desfeitos.
Em vez de violinos, às 20h soaram panelas, numa orquestra desafinada de protesto que mais de uma vez quebrou o silêncio das noites nestes dias de isolamento.
Hoje acordamos com a notícia de que uma medida provisória permitia às empresas suspender por quatro meses os contratos e o pagamento de salários dos seus empregados. Depois de defender a medida como instrumento para proteger empregos, o presidente Jair Bolsonaro mandou revogar o artigo em questão. O dia terminou com a informação de que outras medidas virão, na esteira de uma crise econômica sem precedentes.
O Reino Unido, citado como referência pelos que não aceitavam as restrições impostas por prefeitos e governadores, decretou quarentena por, no mínimo, três semanas. O cheiro de morte que vem da Itália, da Espanha e do seu próprio território levou o primeiro-ministro Boris Johnson a radicalizar. Agora, os ingleses também estão nesta prisão domiciliar global imposta pelo coronavírus.
As autoridades informam que há uma mórbida semelhança na Espanha de hoje com a Itália de dias atrás, pela velocidade com que crescem os números de casos confirmados e de mortes. Na Itália, a curva parece ter começado a cair depois de chegar ao pico de 793 mortos em um só dia e hoje se comemora que foram “somente 601”. Isso equivale a três aviões do tipo Boeing 737-300 lotados! Nova York se torna o epicentro do corona nos Estados Unidos, com 15 mil infectados. Ruas vazias, lojas fechadas, impressão de que a cidade foi transformada no PhotoShop para servir de cenário a um desses filmes catástrofe que Hollywood produz com relativa frequência. A arte já não consegue ser mais alarmante que a realidade.
No Brasil, o número de casos cresceu 22% e o de mortes, 36%, mas ainda não chegamos ao estado crítico. Dados oficiais da segunda-feira: 1.891 infectados e 34 mortos. As autoridades se preparam para o pior. Hospitais de campanha estão sendo montados em estádios de futebol em São Paulo. O governador do Rio anunciou que vai requisitar hotéis, pousadas e motéis para usá-los como locais de quarentena.
Aqui, a preocupação é com os velhinhos teimosos, que insistem em sair de casa. O prefeito Nelson Marchezan estabeleceu multa para os maiores de 60 anos que saírem às ruas sem necessidade.
Minha filha segue me atualizando sobre os memes e vídeos mais divertidos da quarentena. A gargalhada de hoje foi garantida por Whindersson Nunes, dando voz à piada sobre a carrocinha que vai recolher velhinhos teimosos que estiverem na rua. Fenômeno da internet, Whindersson criou o o som da carrocinha e faz a locução: “Atenção, velhinhos e velhinhas. Está passando na sua rua a carrocinha que vai recolher velhinhos para fazer sabão ou detergente”. Brincadeira de mau gosto, mas que se justifica ante a resistência de vovôs e vovós em cumprirem a quarentena.
No meio da tarde, enquanto escrevia sobre a trapalhada da medida provisória, meu filho me pediu para fazer um bolo. Há quanto tempo não me pedia um bolo, por saber que eu não teria tempo de fazer? Dez, 15, 20 anos, talvez. Localizei no celular uma receita da querida jornalista Daniela Neu e fiz o bolo de chocolate. Obrigada, Dani. Acho que devolvi um pedaço da infância a meus filhos adultos. Resgatei a mãe que não tive tempo de ser. A quarentena nos desafia e nos une como família. Juntos, somos mais sólidos.