Foram necessários três meses de bateção de cabeça para que o presidente Jair Bolsonaro se convencesse de que não pode falar apenas com a sua bolha, se quiser aprovar as reformas que definirão o sucesso ou o fracasso do governo.
Depois de as pesquisas mostrarem queda expressiva na sua avaliação e de os aliados alertarem para a necessidade de sair do Twitter e do Facebook para o mundo real, Bolsonaro resolveu sentar com os líderes dos partidos que seus seguidores carimbam como “a velha política” e conversar com jornalistas da “velha mídia”. Os próximos meses dirão se essa disposição para o diálogo é fogo de palha ou veio para ficar.
As transmissões semanais ao vivo pelo Facebook, inauguradas em 7 de março, têm entre 873 mil e 1,3 milhão de visualizações cada. A primeira foi assistida por 2,4 milhões de pessoas, mas as seguintes tiveram queda de audiência. Além de ser um número baixo para um país de 147 milhões de eleitores, nas redes o presidente fala para convertidos.
Instigado pelos filhos e pelos ativistas de sofá, Bolsonaro vinha desprezando as conversas com políticos e tratando articulação como sinônimo de corrupção e de toma lá dá cá. Chegou a dizer que não gostaria de jogar dominó com os ex-presidentes Lula (que está preso em Curitiba) e Michel Temer, preso no dia 28 de março e libertado cinco dias depois, como se fosse crime dialogar com o Congresso.
A crise com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que ameaçou abandonar os esforços pela reforma da Previdência, irritado com os ataques do vereador Carlos Bolsonaro, o filho Zero Dois, fizeram soar o alarme.
O presidente foi alertado por ministros, empresários e militares para o risco de naufrágio da reforma da Previdência se continuasse a tratar os partidos com desdém e prometeu almoçar com Maia na volta da viagem a Israel. O almoço ainda não saiu, mas na quinta-feira Bolsonaro recebeu dirigentes de seis partidos – entre eles Geraldo Alckmin, do PSDB, que reafirmou a decisão do partido de não aceitar cargos no governo. A expressão “velha política” ficou de lado. Os líderes partidários ouviram a promessa de que os encontros serão regulares.
Na sexta-feira, um grupo de jornalistas e comunicadores de veículos tradicionais foi recebido em um café da manhã no Palácio do Planalto com Bolsonaro, os ministros Sergio Moro, Onyx Lorenzoni e Augusto Heleno, e o porta-voz, Otávio Rêgo Barros. No grupo, estava o editor-chefe de Zero Hora, Carlos Etchichury, que relata ter encontrado um presidente bem-humorado:
– Faz 28 anos que dou caneladas. Eu fazia xixi na cama até os cinco anos. Vou ter de me arrepender disso também?
Nos 55 minutos que durou o café, o presidente falou de tudo um pouco e deu pelo menos duas manchetes: o fim do horário de verão e a provável demissão do ministro da Educação Ricardo Vélez.
Aliás
Em outro momento de descontração, Bolsonaro, produziu uma sequência de frases emblemáticas: “Desculpem as caneladas. Não nasci para ser presidente, nasci para ser militar (...) Às vezes me pergunto, meu Deus, o que fiz para merecer isso? É só problema”.