Toda vez que repetia nos debates, entrevistas e propagandas de rádio e TV, em setembro e outubro, que tinha um plano para tirar o Rio Grande do Sul da crise e que esse caminho era a adesão ao regime de recuperação fiscal, o governador José Ivo Sartori estava blefando. Como descobriu a repórter Juliana Bublitz, desde 4 de setembro ele, o vice-governador José Paulo Cairoli e todos os participantes das negociações com o governo federal sabiam que o plano só iria adiante com a privatização do Banrisul, hipótese rechaçada por motivos políticos e pragmáticos.
O motivo político era a certeza de que falar em vender o Banrisul é perder votos. Desde 1998, quando Olívio Dutra (PT) derrotou o então governador Antônio Britto fazendo do Banrisul o seu cavalo de batalha, o banco dos gaúchos transformou-se numa espécie de vaca sagrada. Olívio dizia que Britto planejava vender o Banrisul – e era verdade. Seria uma forma de reduzir o percentual de comprometimento da receita liquida com o pagamento da divida renegociada com a União, fixado em 13% sem a venda do banco. Isso não era dito na campanha de Britto, mas estava no acordo, como revelou anos depois o ex-ministro José Serra.
Olívio não vendeu o banco e “nem um parafuso”, como gosta de dizer, mas passou quatro anos penando para manter os salários em dia. Cobriu o déficit com recursos do caixa único e a privatização do Banrisul virou tabu pelos 20 anos seguintes. Com o agravamento da crise financeira nos Estados, o governo Temer criou o regime de recuperação fiscal, mas condicionou o socorro ao oferecimento de garantias equivalentes ao valor que se deixa de pagar à União em três anos.
O Rio de Janeiro ofereceu a Cedae, equivalente da Corsan, e aderiu ao regime. O Rio Grande do Sul, amarrado pela exigência constitucional de só vender ou federalizar estatais com a concordância da população em plebiscito, ofereceu a CEEE, a CRM e a Sulgás, mas sem qualquer garantia de que conseguiria vendê-las. Fracassou na tentativa de tirar da Constituição a exigência do plebiscito e não obteve autorização legislativa para realizar a consulta.
Eduardo Leite fez campanha defendendo a privatização de estatais, mas sempre ressalvando que Banrisul e Corsan estavam fora. Dizia que gostaria de renegociar o acordo em outras bases, mas não conhecia os termos da negociação. Eleito, pediu ao Ministério da Fazenda para ver a minuta do acordo prévio que Sartori dizia estar pronto para ser assinado e soube que o documento não passava de uma carta de intenções, sem valor legal. A fragilidade do rascunho e a exigência de incluir o Banrisul no rol de garantias foram confirmadas pelo ministro Eliseu Padilha antes da entrevista em que a secretária-executiva do Ministério da Fazenda, Ana Paula Vescovi, reduziu as ilusões a pó.
E agora, futuro governador? Agora a bola volta ao centro do gramado. As regras, que já eram duras, devem ficar e ainda mais rigorosas com o ultraliberal Paulo Guedes no Ministério da Economia. O Estado não tem outros ativos capazes de substituir o Banrisul. Leite corre o risco de, logo no início do governo, ver derrubada a liminar que mantém suspenso o pagamento da dívida e ter de acrescentar mais R$ 300 milhões por mês à longa lista de despesas que não cabem na receita.