Os trogloditas que entendem direitos humanos como sinônimo da defesa de bandidos nunca compreenderão o que significa a execução da vereadora Marielle Franco (PSOL)para o processo civilizatório do qual nos distanciamos a cada dia no Brasil em geral e no Rio de Janeiro em particular. Negra e favelada, Marielle lutava pelos seus iguais. Pelas mulheres, pelos pobres, pelos que são reféns, ao mesmo tempo, do tráfico e da violência policial. Com ela morreu o motorista Anderson Pedro Gomes, abatido covardemente com três tiros nas costas. Só escapou a jornalista Fernanda Chaves, assessora que estava no banco do carona e ficou em estado de choque.
A vereadora do PSOL tinha conseguido driblar todos os estigmas e chegar a um patamar social inesperado para seus vizinhos da favela da Maré, uma das mais violentas do Rio de Janeiro. A Maré é aquela comunidade que volta e meia a gente vê no noticiário como cenário de tiroteios. Fica à direita da Linha Vermelha, quando se sai do Aeroporto do Galeão em direção ao Centro e à Zona Sul. Ali os serviços públicos simplesmente não chegam, porque os traficantes dão as cartas. Na Maré a polícia é recebida a tiros pelos bandidos e o ciclo de violência não tem fim. Nem sempre foi assim, embora a miséria seja a marca da Maré desde que começou a ser formada.
Marielle se definia como "cria da Maré". Conseguiu, graças a um cursinho pré-vestibular comunitário passar no vestibular. Com uma bolsa de estudos integral, graduou-se em Ciências Sociais pela PUC-RJ. Socióloga, fez mestrado em Administração Pública e marcou sua atuação política na defesa dos direitos humanos, essa expressão tão bonita, consagrada pela ONU e respeitada no mundo civilizado, mas que no Brasil os ignorantes transformaram em aberração.
Marielle tinha 38 anos e uma filha de 19. No dia em que foi assassinada, participou de uma roda de conversa com mulheres negras . Dias antes, havia denunciado o 41º batalhão da PM do Rio de Janeiro, em Acari, outra zona conflagrada da cidade, considerado o que mais mata. Presidia a Comissão de Defesa da Mulher e integrava uma comissão da Câmara criada em fevereiro para monitorar a intervenção federal na segurança do Rio. Na véspera da morte, a vereadora postou em seu Twitter (@mariellefranco) um desabafo sobre a criminalidade no Rio. "Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. Matheus Mello estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?", escreveu, referindo-se a um rapaz morto a tiros na favela do Jacarezinho.
Embora os assassinatos tenham virado rotina no Rio, a execução da vereadora do PSOL está tendo imensa repercussão nacional e internacional pela simbologia que representa. Até que o crime seja esclarecido, seria leviano apontar culpados. O certo é que Marielle não foi uma vítima aleatória da guerra do Rio. Os assassinos a escolheram, seguiram o carro em que estava e atiraram contra a cabeça da vereadora em pleno centro da cidade.