Ainda não é a pá de cal nas ilusões dos que veem na Lei Kandir a solução para os problemas financeiros do Rio Grande do Sul, mas convém colocar um freio no otimismo para não quebrar a cara no choque com a realidade. O relatório que o senador Wellington Fagundes (PR-MT) apresentou na comissão mista criada para analisar as mudanças na lei simplesmente ignora os prejuízos que os Estados alegam ter acumulado nos últimos 20 anos. Se for essa a proposta aprovada, adeus ao sonho de um encontro de contas que poderia zerar as dívidas com a União.
O relator propõe aumentar o ressarcimento pelas perdas que os Estados exportadores sofrem com a isenção de ICMS nas exportações a partir de agora, mas passa a borracha no passado. O Rio Grande do Sul, por exemplo, calcula ter acumulado perdas de quase R$ 50 bilhões em duas décadas, dinheiro que ninguém de sã consciência pode imaginar que entrará nos cofres públicos.
Com um déficit previsto de R$ 159 bilhões neste ano e mais R$ 159 bilhões em 2018, as finanças da União entrariam em colapso se o governo resolvesse pagar aos Estados exportadores uma conta cuja legalidade é questionada. Políticos e sindicalistas venderam (ou compraram) a ilusão de que o Supremo Tribunal Federal mandou a União ressarcir os Estados pelas perdas acumuladas com a Lei Kandir. Falso. O que o STF decidiu foi que, se o Congresso não regulamentar as compensações até o final de novembro, o Tribunal de Contas da União deverá fazê-lo.
Era evidente que não bastaria gritar bem alto para o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ceder. Meirelles está cortando o salário mínimo e reduzindo os recursos para obras de infraestrutura para tentar manter o déficit sob controle. Não seria o ministro a orientar o relator, integrante de um partido aliado do governo, a jogar dinheiro para o alto, ainda mais sabendo que a Lei Kandir não previa compensação ad eternum pelas perdas com a isenção de ICMS.
Quando foi criada, no governo de Fernnado Henrique Cardoso, a lei que trata de uma série de isenções (as exportações são apenas um capítulo dessa novela) previa compensação temporária para os Estados. A regulamentação de como seria feito o ressarcimento nunca saiu e o governo fez os repasses de acordo com a disponibilidade orçamentária – mais lá no início, menos nos últimos anos.
O relatório de Wellington, que não agradou ao secretário da Fazenda, Giovani Feltes, prevê dividir R$ 9 bilhões por ano entre os Estados exportadores. O Rio Grande do Sul, que recebe cerca de R$ 380 milhões por ano, passaria a receber um pouco mais – R$ 913,94 milhões, dos quais 25% iriam para os municípios.
Pelos cálculos da Secretaria da Fazenda, em 20 anos o Estado recebeu, a título de compensação, uma média de 18,2% dos impostos que deixou de cobrar sobre as exportações. Nos primeiros cinco anos, a média chegou a 56,4%, mas nos últimos dois exercícios despencou para apenas 8,5%.