O palavreado do senador Romero Jucá (PMDB-RR) para responder às denúncias do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, é a mais perfeita tradução de escárnio. Jucá debocha dos brasileiros, como fazem outras autoridades de diferentes partidos, aqui incluídos o ex-presidente Lula (PT) e o senador Renan Calheiros (PMDB-AL).
Em vez de responder no mérito às gravíssimas acusações de que é alvo, a maior parte delas baseada nas confissões de delatores, Jucá optou pela galhofa. Disse que Janot tem "fetiche" por ele. Denunciado três vezes em uma semana, Jucá partiu para a desqualificação de Janot, como fazem outros investigados em relação a juízes e membros do Ministério Público:
– Ele falou até do meu bigode. Deve ser algum fetiche. Eu sou casado, não vou comentar. Ele fez três denúncias contra mim em uma semana. Fica ruim ele fazer um bocado de coisa, mas como ele está fazendo, ele não está preocupado em ficar bom. Ele está achando que é um justiceiro, não está cumprindo a legislação, o que eu posso fazer?
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A frase "eu sou casado, não vou comentar", perdida no parágrafo anterior é reveladora do baixo nível do líder do governo no Senado. Uma insinuação rasteira que só se explica pela necessidade de desviar o foco das denúncias de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Acusado por um executivo da Odebrecht de receber propina para beneficiar a empresa na tramitação de medidas provisórias, Jucá segue o mesmo script de Renan e de outros em situação idêntica: as denúncias são requentadas. É provável que eles mesmos acreditem nisso, já que são delitos recorrentes, mas nada saiu da imaginação do procurador. Há três anos, a Lava-Jato vem mostrando que o método era o mesmo em todos os grandes partidos: disfarçada de financiamento de campanha, a propina correu solta por muitos e muitos anos. Por isso mesmo, estancar a sangria da operação é uma causa que une os caciques do PMDB, do PT, do PP e do PSDB, ainda que nem todos sejam tão explícitos quanto Jucá.
Desqualificar Janot virou o esporte preferido dos caciques do PMDB, na mesma medida em que atacar o juiz Sergio Moro "e os meninos do Ministério Público Federal" é a obsessão dos petistas.
Sem citar o nome do procurador, que prepara uma nova denúncia contra ele por obstrução de Justiça e associação criminosa, o presidente Michel Temer foi pelo mesmo caminho no vídeo que gravou antes de embarcar para a China:
– Sabemos que tem gente que quer parar o Brasil, e esse desejo não tem limites. Querem colocar obstáculos ao nosso trabalho, semear a desordem nas instituições, mas tenho a força necessária para resistir. Nenhuma força me desviará desse rumo.
A ninguém interessa parar o país. O que os brasileiros querem é que cesse a corrupção, que se apurem os desvios de dinheiro público e que os culpados sejam punidos. Janot está fazendo a sua parte. Espera-se que Raquel Dodge, a sucessora, faça a dela.
Aliás
Na lista dos que debocham dos brasileiros não estão apenas políticos de carreira: por atos e declarações, o ministro Gilmar Mendes constrange os colegas e coloca em xeque a credibilidade do Supremo Tribunal Federal.