Na quinta-feira, Nílson Souza, meu melhor amigo, deixou a redação de ZH. Discreto como é, não quis festa nem discursos de despedida. Pediu que não fizéssemos nada e justificou que sairia silenciosamente, da mesma forma que entrou, há mais de 30 anos. Não mandou o e-mail que em geral pessoas mandam no último dia. Fui a primeira pessoa a quem contou sobre a saída, mas pediu que não comentasse. Nos últimos dias, falamos de seus planos para ocupar o tempo, mas não serei eu a "furar" o que ainda é segredo.
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Nílson já estava em ZH quando cheguei, em 1992. Assumiu a editoria de Opinião quando a saudosa Eunice Jaques saiu em férias e nunca mais voltou. Um câncer a levou das férias para a eternidade. Desde então, Nílson cuidava da Opinião, escrevia editoriais e crônicas e ajudava quem precisasse de qualquer coisa, especialmente de leitura prévia de um texto sobre o qual estava se sentindo inseguro.
Nílson não vai me perdoar por essas indiscrições, mas eu preciso falar da generosidade desse jornalista com quem convivi por um quarto de século no trabalho e com quem espero continuar convivendo na vida social. Vida real, com nossas famílias, que se conhecem, mas nunca se visitaram. Porque não há como trocar o café com o bolo da Zita, a querida mulher do Nílson, por conversas de WhatsApp ou por e-mail.
Não posso convidá-los para tomar um vinho, porque Nílson é abstêmio. Nem para comer um polvo (que fazemos muito bem), porque meu amigo não gosta de coisas exóticas. Nílson e Zita serão convidados para comer o melhor feijão com arroz que eu puder fazer, ou simplesmente para comer laranja colhida na hora neste pedaço de chão onde planto para não esquecer minhas raízes rurais.
Não sei dizer em que momento Nilson e eu passamos de colegas a amigos. Suspeito que tenha sido uns três anos depois da minha chegada a ZH, um período particularmente difícil, em que ele ouviu minhas angústias e me estendeu a mão. Quando passei de editora a colunista, incontáveis vezes o consultei para que opinasse sobre um texto ou enfoque. Incontáveis vezes ele me sugeriu temas, me alertou para fatos que estavam sendo mostrados na TV, mostrou notícias que poderiam ter me escapado na leitura dos jornais do centro do país. Foi um crítico leal do meu trabalho. Se achava que exagerei numa coluna, dizia isso sem rodeios.
Discutimos muito nesses anos, porque somos dois teimosos. Em vão tentei convencê-lo a viajar mais, a levar a Zita para pelo menos uma semana em Paris, a conhecer o mar do Caribe, a passar uns dias em Buenos Aires. Vou continuar tentando, embora saiba que ele tem mania de só comprar à vista e, por isso, não conhece as vantagens de acumular milhas no cartão de crédito.
Sem o Nilson, já sei que será difícil sentar para tomar café. Era no bar da redação que trocávamos dicas de livros. Sim, somos da turma de dinossauros que ainda lê livros em papel, gosta de um bom romance e acredita que ninguém escreve bem se não lê obras de ficção ou se contenta com os textos ruins do Facebook. Marta Sfredo e eu temos essas conversas em pé, com o café na mão, entre uma nota e outra de nossas colunas. Nílson me obrigava a sentar. Foi ele quem me apresentou a Marga, a fisioterapeuta mágica que tira nossas dores reais e imaginárias.
Generosidade, simplicidade e lealdade são as palavras que me ocorrem primeiro quando penso nesse amigo de quem não me despedi na quinta-feira. Não me despedi porque não sei dizer adeus. Pedi emprestado a Milton Nascimento o título desta crônica. Nílson é um amigo pra se guardar.