Um dia é a comerciante que espera um filho na frente de uma escola particular. No outro, a ex-rainha de bateria que aguarda a filha na saída de uma aula de música e se atrapalha ao tirar o cinto de segurança. Em um terceiro, o coronel da reserva que, ao ser abordado, levanta as mãos em sinal de rendição e é abatido. Na sexta-feira, foi um jovem de 29 anos, prestes a concluir o doutorado em Física pela UFRGS, a vítima da violência cotidiana que transformou o Rio Grande do Sul num Estado em que passamos a ter medo de viver. Porto Alegre, a Capital, é um porto triste.
Masahiro Hatori foi morto porque demorou a tirar das costas a mochila que carregava. Dentro, havia roupas, uma carteira com documentos e R$ 16. Os tiros destroçaram uma família de Estrela e mataram no nascedouro a família que Hatori planejava formar com a noiva, testemunha da barbárie. A ela foi entregue, no Hospital Cristo Redentor, a aliança que o estudante usava.
Leia mais:
Estudante de doutorado morre após ser baleado na cabeça durante assalto em Porto Alegre
Polícia divulga retrato falado de suspeito de chacina em Gravataí
Polícia busca pistas de atiradores que invadiram hospital em Novo Hamburgo
O detalhe da aliança pode parecer irrelevante diante do tamanho da tragédia, mas é importante para dar humanidade às estatísticas que atestam o crescimento da violência. Um jovem promissor, que teria muito a dar à sociedade com suas pesquisas, tombou na Rua Joaquim Silveira, bairro São Sebastião, zona norte de Porto Alegre. Um jovem com raízes em um dos países mais civilizados e seguros do mundo, o Japão, foi baleado na cabeça.
Nessa estatística macabra, Hatori é a sexta vítima de latrocínio em Porto Alegre em 2017. Significa que a cada 10 dias deste ano recém-iniciado uma pessoa foi morta por ladrões que queriam roubar um carro, uma mochila ou um simples telefone celular.
Em 2016, Porto Alegre registrou 778 assassinatos. Destes, 34 foram catalogados como latrocínios. Em uma capital com 1,4 milhão de habitantes, 778 assassinatos em um ano é assustador. É mais gente do que cabe no maior avião comercial em operação no mundo, o Airbus A-380. As 34 vítimas de latrocínio enchem um ônibus. Na Capital, foram no mínimo 165 homicídios e cinco latrocínios em janeiro e fevereiro. Março começou mal.
E o que diz o governador José Ivo Sartori? Nada. É como se o tema não lhe dissesse respeito. O que diz o secretário da Segurança, Cezar Schirmer? Que é constrangedor, desanimador, lamentável. Que os bandidos estão se matando em disputas por pontos de tráfico de drogas e que, às vezes, acaba sobrando para os inocentes. Que a droga é a origem do avanço da criminalidade.
Schirmer mantém a promessa de que 2017 será o ano da segurança no Rio Grande do Sul – imagine se não fosse. E acena com a nomeação de novos brigadianos (em número inferior ao dos que se aposentam, porque o Estado não tem dinheiro), um reforço da Força Nacional de Segurança, a ajuda do Exército para patrulhar o Parque da Redenção e a conclusão (sabe Deus quando) do Presídio de Canoas para resolver em parte o colapso do sistema prisional, origem de boa parte do problemas da segurança no Estado.