Foi preciso a água bater na barba para o presidente Michel Temer perceber que as desculpas esfarrapadas já não colam e que a aprovação do impeachment não lhe deu poderes de imperador. Atingido pelos estilhaços da implosão do projeto do edifício La Vue, que Geddel Vieira Lima queria licenciar a despeito do parecer contrário do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Temer convocou os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Renan Calheiros, para manifestação conjunta contra a emenda da anistia ao caixa 2, que ao longo da semana passada vinha sendo costurada nos corredores da Câmara, sem que o Planalto movesse uma palha para barrá-la.
Aliados chegaram a dizer que Temer vetá-la-ia, mas com a crise de credibilidade em que governo e Congresso estão mergulhados, ninguém acreditou. O repúdio generalizado a uma manobra que concedia anistia ampla, geral e irrestrita a quem se beneficiou de caixa 2 (ou de dinheiro sujo) retardou a votação das medidas de combate à corrupção e obrigou os três senhores a atrasarem o almoço de domingo para dar satisfação ao país. Ficou combinado que, se alguma emenda surgir de última hora, Maia determinará que a votação seja nominal, para que os interessados não se escondam atrás da névoa de uma votação simbólica.
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A anistia foi uma parte da manifestação do presidente. A outra, com jeito de vacina contra o que poderia vir à noite, no Fantástico, diz respeito ao espinhoso caso da pressão de Geddel (e de Temer, pessoalmente e por meio do chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha) sobre o então ministro da Cultura, Marcelo Calero. Temer expressou sua opinião sobre gravações clandestinas em geral:
– Eu, com toda a franqueza, acho que gravar clandestinamente é sempre algo desarrazoado, quase indigno. Eu diria mesmo indigno.
De fato, não é elegante sair por aí registrando conversas com microfone disfarçado numa caneta ou no botão do paletó, mas será mesmo indigno? E se o interlocutor gravar porque está sendo pressionado a cometer uma ilegalidade e quer se proteger do braço forte de um poderoso?
Sem demonstrar firmeza, Temer cogitou gravar todas as audiências que tiver daqui para a frente com ministros. Seria uma boa providência para evitar conversas pouco republicanas. O Gabinete de Segurança Institucional poderia até instalar plaquinhas no gabinete presidencial com a inscrição “Sorria, você está sendo filmado”.