Sabedora de que seu destino no Senado está traçado, a presidente afastada Dilma Rousseff usou os pouco mais de 30 minutos de seu pronunciamento para marcar posição diante dos senadores, da imprensa e da História. Não acrescentou argumento novo à defesa feita por seu advogado, José Eduardo Cardozo, ao longo do processo. Apenas sublinhou os pontos que considerou mais relevantes, dedicando mais de três quartos do discurso à defesa política e um espaço menor para as pedaladas fiscais e os decretos de suplementação orçamentária que embasam o pedido de impeachment.
Ao tratar das acusações formais, lembrou que a interpretação do Tribunal de Contas da União foi alterada e que nenhum dos ex-presidentes que adotaram procedimentos semelhantes sofreu algum tipo de sanção.
Em apenas um momento Dilma se emocionou e embargou a voz. Foi quando falou das duas vezes em que esteve à beira da morte _ na época da tortura e, recentemente, quando enfrentou o câncer. O discurso mesclou posicionamento político e defesa da biografia. Aparentando calma, ela começou dizendo que entre seus defeitos não estão a deslealdade nem a covardia, numa claro recado aos senadores que integraram seu governo e que mudaram de lado "seduzidos por benesses".
A manifestação inicial pode ser resumida a partir de uma ideia síntese: o processo de impeachment, na visão de Dilma, é um golpe parlamentar que nasceu de uma chantagem do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e que prosperou a partir da traição do vice-presidente Michel Temer, cujo nome em nenhum momento ela citou. Dilma sustentou que não cometeu crime de responsabilidade, não enriqueceu na vida pública, não tem imóveis nem recursos no Exterior, como Eduardo Cunha. Citou três ex-presidentes que foram vítimas de golpes ou de tentativas de golpe: Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart, para se incluir entre as vítimas de adversários que não aceitam o resultado das urnas.
A presidente afastada fez questão de explicar por que não renunciou ao mandato. Depois de dizer que não esperem dela "o silêncio obsequioso dos covardes", declarou:
_ Eu jamais renunciaria porque tenho compromisso com a democracia.
Em outro trecho, disse que não luta pelo mandato por vaidade ou por apego ao poder, mas por entender que, no presidencialismo, não se pode destituir um presidente eleito "pelo conjunto da obra". Que só quem afasta um presidente pelo conjunto da obra é o povo na urna.
Já no final do discurso, depois de ter dito fez um apelo aos senadores que se declaram indecisos:
_ Cassar em definitivo o meu mandato é como me submeter a uma pena de morte política.
As palavras, cuidadosamente escolhidas para o discurso final, e os convidados para acompanhá-la na sessão entre os quais o ex-presidente Lula e o cantor e compositor Chico Buarque, fazem parte do roteiro de um documentário com a versão que Dilma quer deixar para a História. Nesse registro, ela mesma deu a dica das imagens que gostaria de ver lado a lado: a foto dela, ainda muito jovem, de cabeça erguida, sendo interrogada por seus julgadores no regime de exceção, e hoje, diante dos senadores que darão o veredicto nas próximas horas mas que já anteciparam seus votos majoritariamente favoráveis ao impeachment.