Está difícil entender a lógica do governo interino de Michel Temer no trato das finanças públicas. Ao mesmo tempo em que anuncia cortes de recursos para a saúde e a educação, em nome de um ajuste fiscal considerado crucial para recuperar a confiança do mercado, pede a aprovação urgente de aumentos salariais para quem está no topo da pirâmide do serviço público. A urgência na votação de projetos com forte impacto nas contas públicas foi aprovada na terça-feira, e a ordem para apressar a votação do mérito saiu direto do gabinete de Temer, no Palácio do Planalto.
Aliados do governo, os tucanos comprometidos com a responsabilidade fiscal estrilaram. Afinal, não era essa a conversa quando o PSDB foi convidado a integrar o governo provisório. O deputado Nelson Marchezan Jr., um dos principais críticos dos privilégios concedidos ao andar de cima, ficou rouco de tanto discursar contra a aprovação de aumentos que terão um impacto de R$ 8 bilhões nas contas do país nos próximos quatro anos, sem contar a repercussão nas finanças de Estados e municípios.
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A explicação oficial é de que o efeito dos aumentos já estava nos cálculos do governo quando apresentou ao Congresso a previsão de déficit de R$ 170,5 bilhões para este ano. Ou seja, além da alardeada herança maldita recebida do governo Dilma, a equipe de Temer acrescentou uma margem para gastar com aumentos que incluem o subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal – e, por extensão, de todo o Judiciário –, do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União. Os ministros do STF, que ganham hoje R$ 33,7 mil, passarão a receber R$ 39,2 mil. A defasagem alegada pelos servidores não se aplica aos ministros.
Ninguém pensou nos Estados, que, com as finanças combalidas, terão de tirar dinheiro sabe-se lá de onde para bancar o aumento dos magistrados, membros do Ministério Público e dos tribunais de Contas. Ninguém parece preocupado com a elevação do teto salarial e com o impacto para quem já está no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal.O empenho do governo Temer em aprovar reajustes para os outros poderes faz lembrar uma reclamação da presidente afastada Dilma Rousseff, revelada pelo senador Renan Calheiros numa das gravações de Sérgio Machado, de que tentou conversar com o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowsky, sobre os rumos do país, mas o ministro só queria tratar dos aumentos.
Há muitas razões para a crise do Estado brasileiro, mas uma das principais é o poder das corporações. A União, os Estados e os municípios vivem para custear uma máquina cara e ineficiente, enquanto falta dinheiro para o essencial. Se alguém tem dúvida dessa distorção, que circule por uma emergência do SUS ou por um hospital público para confirmar onde está, de fato, faltando dinheiro.