Nestes 34 anos de profissão, contabilizo a cobertura de dois processos de impeachment. E dois almoços com o escritor peruano Mario Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura de 2010. O que uma coisa tem a ver com a outra? Nada. Apenas que na quarta-feira, 11 de maio, ousei abandonar por duas horas o acompanhamento da sessão em que os senadores discursavam sobre o afastamento da presidente Dilma Rousseff para, a convite da organização do Fronteiras do Pensamento, almoçar com o conferencista daquela noite. Já experimentara esse privilégio em 2010, no mesmo British Club, quando ele esteve em Porto Alegre, também para falar no Fronteiras.
Impedida de assistir à conferência, porque passaria a noite acompanhando a votação do impeachment, eu me daria por satisfeita de rever o autor de A Guerra do Fim do Mundo, o primeiro livro dele que li, e que me fisgou pelo estilo e pela capacidade de contar em forma de romance a revolta de Canudos. Pela manhã, havíamos rodado no Gaúcha Atualidade uma entrevista gravada pelo Daniel Scola e pela Carolina Bahia. Entrevista focada em política, que é um dos pilares do programa. Ele falou em espanhol, mas de forma pausada e com tanta clareza que nenhum ouvinte reclamou de dificuldade de compreensão.
Cheguei cedo, para não perder um segundo sequer daquela oportunidade rara. Vargas Llosa juntou-se aos convidados reunidos no jardim e conversou sobre política, literatura e amenidades. Expressou sua preocupação com os rumos da política na América Latina e com a possibilidade de vitória de Keiko Fujimori na eleição para a presidência do Peru.
Ao lado do empresário Jorge Gerdau Johannpeter, testemunhei um diálogo inspirado de dom Mario com dom Jayme Sirotsky sobre a vida dos "jovens de 80 anos". O escritor lembrou que, graças aos avanços da medicina, os Estados Unidos já têm mais de 3 milhões de pessoas centenárias.
– O importante é não perder a lucidez – disse dom Jayme.
– Nem as ilusões – completou dom Mario.
O jornalista Cyro Silveira Martins Filho, da Rádio Gaúcha, deixou de lado a timidez e puxou conversa e me apresentou como periodista do programa em que ele falara pela manhã. Llosa contou que gosta mesmo de falar de literatura, mas, nas entrevistas, 95% das perguntas são sobre política. Quis perguntar por onde anda a sua "menina má", se não pretende contar as travessuras dela em outros pontos do planeta, mas fiquei paralisada, com medo de não ser entendida com meu espanhol de Michel Temer. Pensei em pedir uma foto para a posteridade, mas não tive coragem. Sou péssima na tietagem. Chamaram para o almoço e a Karim Miskulin, diretora da revista Voto, mais desembaraçada do que eu, pediu para fazer uma selfie. Fiz uma foto linda dos dois.
Cyro e eu criamos coragem e pedimos para tirar uma foto também. Simpático, ele concordou.
No almoço, fez apenas uma breve saudação aos organizadores do Fronteiras do Pensamento, às instituições que promovem ideias, com espírito aberto, plural e democrático.
– Demos às ideias, hoje diminuídas pela presença da imagem, o valor que merecem.
Propôs um brinde ao Rio Grande do Sul da boa agricultura, dos bons vinhos e da boa cerveja. Brindou com Cabernet Sauvignon Casa Valduga 2015 e eu passei o almoço bebendo água e saboreando o prazer de passar duas horas dividindo espaço com o gênio que escreveu Travessuras da Menina Má, Pantaleão e as Visitadoras, Os Cadernos de Dom Rigoberto, entre tantas outras obras-primas. E agora, com licença, que eu preciso parar de escrever para ler A Orgia Perpétua: Flaubert e Madame Bovary.