Em uma sessão marcada por invocações a Deus, à família e ao Brasil, a declaração de voto da deputada Raquel Muniz (PSB-MG) foi, no domingo, apenas mais uma das manifestações que passaram do ponto no tom e no conteúdo.
Assim, como Raquel, outros deputados disseram "sim" mais de uma vez. Na votação do impeachment da presidente Dilma, ela também citou a mãe, os filhos, a neta e a BR-251, além de repetir o "sim" 10 vezes, algumas já fora do microfone. Mas o que fez Raquel se destacar na multidão de deputados foi o dia seguinte, quando o marido que ela homenageou em seu discurso contra a corrupção foi preso pela Polícia Federal.
Casada com o prefeito de Montes Claros, Ruy Adriano Muniz (PSB), Raquel citou o companheiro como exemplo de probidade:
– Meu voto é para dizer que o Brasil tem jeito, o prefeito de Montes Claros mostra isso para todos nós com sua gestão.
O prefeito e a secretária da Saúde, Ana Paula Nascimento, foram presos na Operação Máscara da Sanidade II - Sabotadores da Saúde por inviabilizar a existência e o funcionamento de hospitais públicos da cidade. Segundo a Polícia Federal, eles retiraram cerca de 26 mil consultas especializas e 11 mil exames dos hospitais para favorecer outro privado e não filantrópico gerido pelo prefeito e familiares.
O voto de Raquel e a prisão do marido poderiam escandalizar um sueco ou um japonês, mas para os brasileiros é totalmente compatível com as circunstâncias em que o pedido de impeachment foi votado, a começar pelo fato de a sessão ter sido presidida pelo deputado Eduardo Cunha, réu na Operação Lava-Jato acusado de receber dinheiro de propina em contas na Suíça.
Entre os colegas de Raquel, há outros que estão sob investigação, alguns já condenados em primeira instância, que embalaram o voto em um discurso de moralidade. Foi essa proliferação de parlamentares sob suspeita que levou o respeitado jornal The New York Times a dizer que Dilma seria julgada por uma gangue.