De passagem por Porto Alegre, a deputada federal e presidente nacional do PTB, Cristiane Brasil (RJ), apoiou o impeachment de Dilma Rousseff, disse que o PT criou um sistema de financiamento para se perpetuar no poder e defendeu a reforma da Previdência e a legalização dos jogos. Filha de Roberto Jefferson, a quem devolverá a presidência da sigla no próximo dia 14, Cristiane almoçou no Mercado Público nesta sexta-feira, ciceroneada pelo deputado estadual Maurício Dziedricki e pelo presidente da Câmara de Vereadores, Cássio Trogildo. Com declarações fortes, ela não poupou o PT de críticas e fez defesa de Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
O que vocês estão planejando para o PTB nas principais cidades do RS na eleição de 2016?
Nossa prioridade são cinco ou seis municípios na Região Metropolitana, como Alvorada, Canoas, Guaíba, Canoas, Esteio e Porto Alegre. Depois, temos outros no Interior, como Santa Cruz do Sul, Bagé. A nossa diretriz nacional é de criar musculatura para a gente deixar de ser um partido acessório, que fomos nos últimos 10 ou 12 anos, para voltar a ter protagonismo nacional e estadual, começando pelos municípios. A gente entende que o trabalhismo gestado pelo Alberto Pasqualini nunca foi tão atual, priorizando a harmonização das forças de trabalho, não só o trabalhador e o sindicalista, mas o trabalho como valor. Você se mostrar produtivo para você, sua família e para o seu Estado. E você ser valorizado por isso, e não ficar brigando com o seu patrão. O que a gente percebe muito no PT, por exemplo, é que eles sempre colocam aquela dualidade entre pobre e rico, patrão e empregado, como se houvesse uma luta de classes. Para o PTB, o trabalhismo é bem diferente, é a harmonização dessas forças. Não existe empregado sem empregador, da mesma maneira que não existe empregador sem a pessoa para trabalhar para ele. Fazer com que essas forças sejam antagônicas, não é bom para nenhum país. Eu não conheço, sinceramente, nenhum país que tenha se desenvolvido se não através do trabalho. No Brasil, se criou ambiente de incerteza, não se tem segurança jurídica, temos a maior carga tributária do mundo, e se entregam os piores serviços. O que você está plantando é recessão e a inflação que a gente vive hoje.
No caso de Porto Alegre, essa candidatura própria realmente vai sair? O PTB pegou fama de governista e carguista no RS.
É para valer. Ele (deputado estadual Maurício Dziedricki, pré-candidato a prefeitura) não tem chance de voltar. Já falei, está enquadrado. A verdade é que, nacionalmente, para a sobrevivência do partido, se fez necessária uma política de regionalização. Não dava para fazer projeto nacional. O jogo estava misturado, a criação de muitos novos partidos, o poder foi pulverizado, e os partidos mais fortes criaram uma estrutura de financiamento, de visibilidade, que não permitia a partidos médios como o PTB participar. Ficamos sempre acessórios, não fomos chamados para o jogo. Os espaços já estavam ocupados. O que eles tentavam fazer? Asfixiar totalmente os partidos médios e pequenos para que eles pudessem comprar baratinho na época da eleição.
Eles quem?
PP, PMDB, PT, o próprio PSD fez muito isso. Os partidos que estavam na cúpula do governo e que, hoje, estão aí desmascarados nas investigações da Lava-Jato. Eles fizeram uma coisa que nunca tinha acontecido no Brasil antes. Uma concentração total de doações de campanha, doações privadas. Eles montaram o cartel das empresas preferidas, são cerca de 20, fizeram delas as maiores do Brasil. Não só as empreiteiras, mas penso muito no Friboi, grande doador de campanha deles. Encheram de dinheiro público lá (Friboi), dinheiro do BNDES, dinheiro do trabalhador que eles dizem que defendem. Isso para abastecer campanha deles, em detrimento de outros partidos que não acessavam mais esses doadores. Antes, se uma empresa dessas gostasse do meu trabalho de deputada federal, ela ia lá e me financiava. O PT fez o que? Disse para não conversarem mais com ninguém. Agora teria de pedir para eles (PT). Isso asfixiou lideranças novas. Por que não tem liderança nova no Brasil? Porque há 10, 12 anos não se consegue fazer oposição ou não se consegue ter a mínima condição de sobrevivência fora da migalha que sobra daquele grupo que detém o poder e a relação com os empresários. Só que isso acabou. Isso foi desmascarado pelos procuradores e, agora, estão sendo presos e investigados todos os membros de partidos que fizeram parte desse processo.
A senhora entende que, com tudo isso que está acontecendo, existe um vácuo de poder que alguém terá de ocupar. É isso?
Isso. Existe um vácuo para novas lideranças. É a vez da gente.
Como o PTB aproveitaria esse vácuo? É um partido que também tem desgastes.
Todos nós carregamos as nossas dificuldades e temos os nossos problemas. Queremos falar de novas práticas, de hoje para frente, fazer um pacto para o futuro, para um novo tipo de política. No nosso entendimento nacional, tem que haver uma ruptura no modelo de hoje. E só tem uma forma de fazer isso: uma minirreforma constitucional urgente. Tem que falar de sistema eleitoral, tripartição de poderes e falar também sobre esses direitos que a Constituição de 88 garantiu a todos os brasileiros, direitos universais, direito a tudo, e que na verdade precisaria de pelo menos um PIB inteiro do Brasil para pagar todos os direitos que as pessoas têm conforme a nossa Constituição. E quando você fala em separação dos poderes, tem de entrar também no federalismo. Não dá para a União concentrar 60% de tudo o que é produzido no Brasil e, como a gente sabe, ainda gastar mal. Fazem políticas que não respeitam as particularidades regionais. Por que o governo lá de Brasília, longe de tudo e de todos, tem mais capacidade de gerar políticas públicas mais eficientes do que prefeitos e governadores?
Na questão dos direitos assegurados, para os quais a senhora disse que precisaria de um PIB inteiro, o que poderia mudar? Ninguém gosta de falar muito nisso para não contrariar interesses.
As pessoas têm medo de falar porque mexe no que entendem ser direitos adquiridos de cada um. Só que essas discussões de minorias não vão ser discussões que vão levar o Brasil ao desenvolvimento e a ter uma Constituição que ele possa cumprir. A nossa Constituição sempre é uma mentira, uma utopia, não dá para cumprir de jeito nenhum. Vamos passar a falar mais verdades, é isso que a população também espera. Eu acho esse momento muito oportuno para fazer essa discussão. Nós estamos realmente num fim de ciclo, de qualquer maneira tem de haver fim de ciclo. Eu acredito que o impeachment, ainda mais depois de ontem (quinta-feira), da delação da Andrade Gutierrez, seja uma questão sem volta. Não tem como não haver interrupção desse governo. Ainda mais porque o assunto pega exatamente na veia do que estamos falando. Os dirigentes da Andrade Gutierrez disseram que deram dinheiro do Petrolão para a campanha de 2014 e 2010. Ponto final. O que mais precisa de evidências e provas para ficar claro que foi montado um sistema revestido de legalidade, um financiamento à base de superfaturamento, montado só para atender esse grupo dominante? Como vai ter um governo de transição, e eu ainda acredito que o Temer (Michel Temer, vice-presidente) fique para fazer essa transição, eu acredito que poderíamos fazer esse esforço. Temos conversado lá no Congresso para fazer as mudanças estruturais que o Brasil precisa.
Poderia citar algumas dessas mudanças estruturais?
A tripartição de poderes. Equilíbrio entre Executivo, Judiciário e Legislativo. Nós precisamos criar medidas para frear esse hiperpresidencialismo que temos no Brasil hoje, que coloca o Legislativo de vassalo. A gente não consegue aprovar emenda. Parlamentar de oposição libera emenda quatro anos depois. Tem de criar mecanismo para não passarmos mais pelo o que estamos passando com o Supremo Tribunal Federal. Existe uma ingerência clara do Judiciário em questões que o Legislativo tem de legislar. Não importa se está demorando. Se é isso, então cria outros mecanismos para forçar o Legislativo a ter prazos. Mas legislar em nome dos legisladores, o STF nunca teve esse direito.
Então a senhora defende a colocação de limites à atuação do STF?
Exatamente. A lei do impeachment já prevê que os ministros do STF podem sofrer o processo de impeachment, mas os termos são ainda muito limitados. Eu creio que ainda teria de colocar uma cláusula como participação política vedada, com mais clareza. Ingerência em outro poder. E ter algum mecanismo de controle externo que pudesse agir imediatamente em caso de invasão de competência.
A senhora se refere indiretamente aos ministros Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio de Mello?
São os dois principais. A questão do Barroso, em suprimir parte de texto (do regimento da Câmara, supostamente) para defender o indefensável, modificar no STF o rito do processo de impeachment, ele para mim mostrou que está defendendo interesses do governo. No caso do Marco Aurélio, ele extrapolou pedido do advogado (o ministro determinou que a Câmara desse andamento ao pedido de impeachment do vice-presidente Michel Temer). O advogado que entrou com recurso no Supremo não pediu para abrir processo, mas para o presidente (da Câmara, Eduardo Cunha) reavaliar a decisão dele (de arquivamento). O Marco Aurélio entrou no mérito liminarmente e ainda fez mais do que foi pedido. Isso, para mim, é participação política clara. E eles nunca sofreram nenhum revés nesse sentido. Eu acho que está na hora de a gente reequilibrar as forças do jogo. Aí você fortalece a democracia.
Sobre o impeachment, a senhora é favorável. Então, por que o partido não sai do governo e deixa os cargos, como o Ministério do Desenvolvimento?
O partido não tem nada no governo. O fato de o Armando Monteiro ser ministro, eu vou explicar: ele apoiou a Dilma fortemente em Pernambuco, fez uma campanha muito forte para ela. Nós, na época de apoiar o Aécio, não fechamos questão, por conta das especificidades regionais. Não dava para fazer movimento tão brusco, senão não elegeríamos 25 deputados. E não foi tradição do PTB nas últimas eleições. Como eu falei, para sobreviver nesse sistema de asfixia que foi feito pelo PT, partidos médios e pequenos como o nosso tiveram de se prender nas questões regionais. Em alguns Estados, foi fundamental se aliar ao PT. Mas para a maioria, não. Tanto que a maioria dos Estados é contra esse governo. Existem casos isolados dentro do partido. De 19 deputados (tamanho atual da bancada), temos cinco contra o impeachment. Não dá para mudar uma diretriz de anos. A mudança que temos que fazer, a busca pela coerência que vamos fazer, começa pela eleição municipal, começa não coligando com o PT, lançando candidaturas próprias nas principais cidades e onde temos o partido organizado. O impeachment não é só romper com o PT. É romper com todo esse sistema criado por eles para mandar por muitos anos, asfixiando os outros partidos. O PTB não está envolvido na Lava-Jato. Quem está é o Collor, que não está mais no partido. O PTB não está no governo, de jeito nenhum. O que existe são acordos individuais.
Em recente entrevista, o seu pai, Roberto Jefferson, disse que Eduardo Cunha é o "bandido que mais gosto". O que a senhora achou da declaração e o que pensa sobre Cunha?
Fazer a defesa do Cunha, na situação em que ele está, é sempre muito delicado. Ele realmente se tornou, não digo o inimigo número 1 do povo brasileiro, mas talvez o 3. Porém, para a minha primeira legislatura de deputada federal, ter um presidente que valorizou o Legislativo, que se tornou independente do Executivo, facilitou muito a atuação como parlamentar. Eu penso que ele (Cunha) teve papel importante para o Legislativo. Deu nova força e só por isso estamos capazes de protagonizar um movimento de ruptura com esse sistema que sufocou e estava acabando com o Legislativo. Ele foi um agente importante para um reequilíbrio de poderes. Como pessoa, não posso falar nada dele. Se forem comprovados os atos imputados a ele, vai ter de responder à Justiça. A Justiça está fazendo um trabalho muito bom. Foi na Suíça, descobriu as offshores dele, desvendando passo a passo como houve esse acréscimo de patrimônio, se é que houve. Ele vai responder. É isso. Dizer que ele não foi importante para o Legislativo, isso eu não posso falar.
Mas a senhora acha que se aplica a ele a definição "bandido que mais gosto"?
O meu pai é um cara muito inteligente e sabe fazer esse tipo de interpretação, é um grande frasista. Eu penso que foi uma imagem folclórica que ele criou. A boca pequena, muitas pessoas chamam ele (Cunha) de "meu malvado favorito mesmo". E ele, enfim, tem tido papel de enfrentamento que nunca ninguém teve de coragem de fazer antes. É uma interpretação do meu pai, um folclore, e respeito a opinião dele.
Pessoalmente, como foi conviver com seu pai no período em que ele esteve detido pelo mensalão?
Graças a Deus, já passou (Jefferson foi condenado a sete anos e 14 dias de prisão. Em março, obteve o perdão da pena). Posso falar que esse período foi de sofrimento. Acompanhei o câncer dele, fui a todas sessões de quimioterapia. Estive presente durante aquele processo de estar quase preso, mas como preso domiciliar, com toda imprensa na frente da casa dele. Ele não podia colocar a cara para fora porque tinha mil câmeras querendo filmar, saber se a casa era de luxo, o que era mentira. Foi muito sofrido. Eu vi meu pai muito angustiado. Ele é uma referência nacional em termos de enfrentamento, de coragem, e ver o pai da gente passar por um período sendo acuado, sendo tratado feito uma escória, um pária, é muito ruim, muito chocante, penso que ninguém merece isso. Se for um assassino, um estuprador, um cara que matou 40 pessoas, é ate normal que exista um ódio da sociedade com relação à pessoa. Mas uma pessoa que fala a verdade, doendo ou não doendo, se responsabilizando pelos atos que cometeu. Dizendo que cometeu erros mesmo. Ser tratado da mesma maneira é um tanto quanto assustador. Quando eu fui colocar o pin de deputado no meu pai, uma homenagem a ele na primeira vez em que ele foi visitar a liderança (da bancada, na Câmara) depois de anos em que não podia sair de casa, e ele começar a chorar? Aí vem aqueles filmes todos na cabeça, da prisão, do dia em que você deixa ele lá dentro, do dia em que você tira ele lá de dentro. Todas as vezes que ele teve de ir no hospital, estava com obstrução intestinal, febre a cada 15 dias. Você não sabe se vai ter seu pai, se ele vai morrer, se vai dar tudo certo. Não desejo isso nem para o Lula nem para a Dilma.
Ele agiu corretamente em entregar o esquema do mensalão?
Claro que agiu. Ele nunca quis se aliar ao PT, mas, como criaram esse sistema de asfixia dos partidos, não sobrou muita alternativa senão participar desse troca-troca. Eles (PT) não queriam discussão ideológica, o pensamento deles é o único que vale. Eles querem saber qual é o teu preço. Esse espacinho de poder tá bom pra você? Te paga? Então cala a boca e vote tudo o que eu quero. O meu pai se ressentia dessa relação.
Qual a posição do PTB sobre reforma da previdência e CPMF?
O PTB não apoia nem um centavo a mais de imposto em hipótese alguma. Não dá mais para tirar dinheiro do trabalhador. Para nós, justiça social é devolver dinheiro para o trabalhador. É botar o FGTS na mão do trabalhador para ele decidir o que vai fazer. O dinheiro é dele. E não o governo, desde a época dos militares, decidir o que vai fazer com o dinheiro do trabalhador. Isso não foi criação do Getúlio Vargas. Foi uma distorção que os militares criaram e tiraram dinheiro do trabalhador. Nossa ideia é não votar nenhum aumento de imposto. Reforma da Previdência já é um ponto, mesmo que criado pelo PTB em outro mundo, que todos os países que tinham sistema previdenciário igual ao nosso estão tendo de mudar. Não podem os aposentados, os pré-aposentados e os sindicalistas quererem que as regras continuem as mesmas numa realidade completamente distinta do mundo atual. Cada vez menos se precisa de gente. Hoje em dia, a tecnologia está substituindo os humanos. A gente tem de criar novas formas de trabalho, incentivar o empreendedorismo, fazer que pessoas busquem ser produtivas de outras maneiras. Algemar o empreendedor, o cara que tem coragem de empreender no Brasil com as regras previdenciárias do jeito que estão, é quebrar o país. O Brasil não paga a aposentadoria do jeito que está nos próximos anos. Está aí um direito, a previdência social, que tem de ser revisto numa minirreforma.
A senhora é membro de uma comissão na Câmara que avalia a liberação dos jogos. Qual sua posição?
Temos de ser menos hipócritas com relação a jogos. Eles fazem parte da vida do ser humano desde que ele existe. Negar isso com argumentos ideológicos e religiosos não vai levar a não termos jogos. Hoje temos pessoas em subempregos porque a gente finge que não tem jogo. Se a Caixa Econômica Federal pode ter jogo, por que o particular não pode explorar o jogo? O que a gente ganha com isso? A gente perde. Perde receita e emprego. Seria uma nova receita. Eu lido com o envelhecimento humano. O envelhecimento humano vai quebrar a Previdência. O envelhecimento humano vai quebrar o SUS, vai acabar com a mobilidade, porque vai quebrar os sistemas públicos de transporte, vai colapsar por conta de gratuidade. E eu não vejo se falar desse problema. Ninguém dá dinheiro para política pública de idosos. Seria uma nova renda para a sociedade baseado no que o idoso gosta de fazer, que é o maior consumidor de jogos e onde ele se diverte. Criando essa renda nova, podemos destinar boa parte dela para asilos, ajudar as famílias a cuidar dos velhos. Os outros países usam a tecnologia para controlar os jogos. Podemos ter mecanismos de transparência e garantir essa nova renda.