O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
O presidente argentino, Javier Milei, completa nesta terça-feira (10) um ano à frente da Casa Rosada. De acordo com o levantamento realizado pela consultora Poliarquía, seu governo é aprovado por 56% da população. Neste período, o empresário, que se apresentou na campanha como outsider e intitula-se como "ultraliberal", derrubou a inflação ao menor patamar desde 2021, mas viu a pobreza avançar.
Em entrevista à coluna, o presidente da Câmara de Comércio Argentino Brasileira de São Paulo (Camarbra), Federico Servideo, faz um balanço do primeiro ano de mandato e fala sobre as relações entre os dois países.
Que balanço o senhor faz deste período?
Foi um ano caracterizado por muitos fatores. Destaco o ajuste fiscal implementado pelo governo, como havia sido prometido na campanha, com uma redução significativa do gasto público, que provocou, entre outras coisas, um rearranjo da macroeconomia, com queda significativa da inflação. Obviamente, com um custo a nível de recessão bastante importante, mas nada fora do controle do governo. A macroeconomia começa a ser ajustada por meio de um equilíbrio fiscal forte. Houve uma transferência significativa de subsídio para os mais pobres, por isso a Argentina, apesar de ter muita gente na pobreza, passa por relativa paz social. O que esperar para o segundo ano? O crescimento da atividade econômica. O PIB da Argentina vai decrescer, vai cair neste 2024, 2%, 3%, 4%, e se espera um crescimento de até 5% para o próximo ano. O importante agora é a retomada da atividade econômica por meio de investimentos em setores estratégicos para que a economia comece a se recuperar, e com isso se gere riqueza e redução da pobreza.
Quais as principais diferenças do estilo de governo de Alberto Fernández para Milei?
O governo de Fernández gerava déficit, gastava mais do que a receita. Na realidade, não foi o governo dele que fez isso. Sempre recordamos que a Argentina, em 123 anos, teve déficit fiscal em 113 deles, ou seja, só em 10 anos a Argentina teve superávit fiscal. O governo Fernández, por motivos específicos, como a pandemia, ou ideológicos, vindo do setor peronista, gastava e gastou mais do que arrecadava, gerando uma corrente inflacionária muito significativa. Milei, está fazendo tudo ao contrário. Está reduzindo os gastos e os investimentos, lidando alguns passivos com inflação lá no comecinho, para ter, pelo 10º mês consecutivo, superávit fiscal. A Argentina havia décadas não tinha tantos meses consecutivos de superávit fiscal. Isso reduz a base monetária, a inflação, e vai criando um equilíbrio macroeconômico que não se via desde há muito tempo.
Quais as perspectivas para o próximo ano?
Milei vai enfrentar no ano próximo eleições de meio mandato. Uma parte do Congresso vai ser renovada, e vai ser uma prova de fogo para tentar capturar um maior número de deputados e senadores, dado que sua base no Congresso é muito pequena. O presidente argentino já começou a trabalhar essa frente política. Ou seja, apesar de ter um discurso muito crítico contra os políticos, ele já começou a negociar para chegar a essas eleições para capturar mais votos para deputados e senadores, e com isso ter um Congresso um pouco mais alinhado. O front político para 2025 é muito importante, assim como a frente social, que está muito atrelada a uma recuperação da atividade econômica, seja através de investimentos seja por meio do próprio fluxo da atividade interna na Argentina.
Mudou algo na relação com o Brasil neste último ano?
Fica claro que os presidentes Lula e Milei têm leituras políticas diferentes em aspectos relevantes. Isso fica claro quando se discute o documento final do G20 ou a Agenda 3030 quando são discutidos temas de outra natureza. A leitura política dos presidentes é diferente. Agora, a realidade acontece na economia, nos foros diplomáticos e consulares. Então, entendemos que o setor privado e outras instituições têm de continuar fazendo o seu trabalho. O que ocorreu no G20 é um bom exemplo: apesar desse relacionamento frio entre os presidentes, foi assinado um protocolo de intenção para a construção de um gasoduto na Argentina que vai trazer milhões de BTUs de gás para o Brasil, com um impacto fenomenal nas duas economias. Estaremos integrados e isso vai provocar exportações significativas para a Argentina. Esse distanciamento ideológico entre os presidentes, talvez não ajude, mas também não atrapalha. A realidade acontece também por outros caminhos.
Há análises recentes que apontam que Milei é muito mais reativo nas suas falas, mas que, na realidade, coloca em prática uma política mais pacífica. Como o senhor avalia esse ponto?
Milei vem de fora da política, realmente é um outsider. Três anos atrás, ele era um jornalista econômico. Ele é uma pessoa que vem de outro mundo, do privado e empresarial. E ele tem uma leitura interessante, porque, quando chegou à presidência com uma leitura de longo prazo, falou: "Vamos ter de mudar de verdade a Argentina, vamos ter de colocar o país em outro patamar, e é um plano de 30 anos, não é um plano de um governo". Ou seja, de alguma forma ele chegou com uma leitura realmente inovadora para a nossa cultura argentina, onde os políticos sempre estão pensando na próxima eleição. Esse discurso foi muito bom, e acho que é muito válido. O país precisa de 30 anos para corrigir os erros de 150, que precisa focar em educação, em segurança, em diversos fatores, equilibrar a macroeconomia, parar de gastar além das receitas. Agora, uma vez dentro do governo, o presidente e sua equipe têm de governar e se governa fazendo política. Então, acho que sem deixar de lado os princípios básicos que o levaram à presidência, ele está fazendo política, ele está negociando. O caso do G20 foi claro. Se comentava que Milei não ia assinar o documento final, e ele assinou. Depois, ele fez todo um disclaimer de tudo aquilo que não estava de acordo, mas vale o que está assinado. Então, acho que ele está tendo um discurso, talvez que se contradiz um pouco com o dia a dia, mas naquilo que é fundamental, me parece que ele está sendo bastante coerente e consistente com o tema do equilíbrio da macroeconomia, criar elementos para facilitar que os setores privados façam as coisas bem lá, criar mais segurança para os investimentos, sustentar as classes mais pobres com planos específicos, investir em educação e segurança. Existe, a minha leitura, bastante coerência e consistência naquilo que está fazendo, com algumas exceções, como de praxe.
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