Durante a COP29, em Baku, no Azerbaijão, o presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), Jorge Viana, detalhou, em entrevista à coluna, como as mudanças climáticas, em sua visão, afetam o agronegócio.
Ele defende que o próximo Plano Safra reserve um percentual maior para adaptação.
- Os agricultores não vão conseguir arcar com três, quatro prejuízos no mesmo ano - disse.
Durante a conversa, ele tamvém projetou o que espera das relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos durante o novo governo Donald Trump, que volta ao poder em 20 de janeiro do ano que vem. Viana também destacou o programa Bolsa Exportação, que promete ajudar empresas gaúchas a manterem os planos de participação em eventos internacionais, apesar dos prejuízos durante as cheias.
A seguir, a íntegra da conversa.
O que as empresas do RS podem esperar da Apex neste momento de recuperação pós-enchente?
Lançamos o programa Bolsa Exportação com o propósito de não ter descontinuidade com empresas gaúchas em nossos programas de promoção das exportações. A Apex trabalha com 52 setores da economia. No Rio Grande, temos convênio com o polo calçadista, com o setor de vinhos, com o couro. São mais de 20 setores, uma base grande no Rio Grande do Sul. Diante de uma crise como essa, a gente vai despotencializar a participação desses setores nas feiras internacionais? A gente descobriu um jeito de ajudar. Não queremos que a empresa deixe de ir naquilo que ela tinha programado: feiras, eventos, em parceria com a Apex, por conta da crise pela qual passou. Criamos o Bolsa Exportação, um programa pelo qual a empresa que estava programada para viajar e que enfrentou alguma dificuldade, a gente dá até R$ 20 mil para o pagamento de despesas, como hotel e passagem. Começou em setembro. Com isso, a gente vai atender mais de 500 empresas do Rio Grande do Sul. Trata-se de um esforço para ajudar a trazer de volta à normalidade a presença das empresas exportadoras do Rio Grande do Sul, que é um Estado importantíssimo nas parcerias com a Apex.
Vocês sentem que, em razão da tragédia, muitas empresas do RS deixaram de comparecer a feitas e outros eventos no Exterior?
A Apex, junto a parceiros, de novo, resolvemos ajudar com colchões. Compramos R$ 12 milhões em colchões para o Rio Grande do Sul, para socorrer as pessoas que estavam com problemas. Foi muito interessante para que nos sentíssemos estendendo a mão para os irmãos gaúchos, que têm grande parceria no ecossistema de trabalho da Apex. Depois, sentamos, discutimos e decidimos criar o Bolsa Exportação, um programa que não é só no socorro na hora da cheia, mas no sentido de não deixar a empresa entrar em um processo de crise financeira maior do que o que eles tiveram que enfrentar. A resposta tem sido boa para que mantenham a presença nas feiras internacionais, fazendo seus negócios.
O RS ficou muito tempo sem o aeroporto Salgado Filho, o que prejudicou as exportações. Qual a sua expectativa em relação à retomada?
O ir e vir é fundamental para os negócios. Quando a logística é danificada resulta em prejuízo enorme, um risco enorme para os negócios. Felizmente, agora o ir e vir de passageiros voltou à normalidade. O fluxo, através de fluvial, que é a maior parte das exportações do Brasil, se manteve. O dano não foi maior por conta disso.
Mas os voos internacionais só serão retomados em dezembro.
O fluxo de carga é maior via fluvial e terrestre. mas, de qualquer sorte, toda a logística de produção, do cumprimento de contratos, foi danificada. A volta dos voos internacionais ao Salgado Filho voltar, com chegada de insumos, dará normalidade à logística. Assim como no pós-pandemia apresentamos dados melhores do que no pré-pandemia, espero que o Rio Grande possa, brevemente, estar com números bem melhores do que no período anterior às cheias.
O produtor gaúcho sofre tanto com a enchente quanto com a estiagem. Como de ser encaminhado o debate sobre adaptação às mudanças climáticas?
O Rio Grande do Sul está muito presente na exportação brasileira. Veio da época do charque até a soja, o arroz, erva-mate, trigo. O Rio Grande tem um portfólio muito interessante. Mas é lá também que a gente está conseguindo identificar fortemente algumas consequências da mudança do clima. Aqui em Bacu, na COP29, podemos estar vivendo um momento de ruptura. Ou seja, que as coisas vão mudar definitivamente, o que é muito ruim, não é uma notícia boa. É preciso que haja um processo de adaptação nisso. Sou um pequeno plantador de café. Vamos ter de nos preocupar com a escassez de água, com o excesso de chuvas, e isso, para a agricultura, é mortal. E aí também vamos ter de alterar o Plano Safra, na minha opinião. Ele talvez tenha de focar em reservar recursos, não só para safra, mas para que a gente possa trabalhar essa adaptação. Vai ter de trabalhar com irrigação, fazer um ciclo diferenciado de cultura. Defendo fortemente isso, a partir de um seguro agrícola, porque os agricultores não vão conseguir arcar com três, quatro prejuízos no mesmo ano.
Isso já está acontecendo no Rio Grande do Sul.
O seguro agrícola, que era de R$ 1 bilhão, no universo de mais de R$ 400 bilhões no Plano Safra, tem de, no mínimo, triplicar de tamanho, brevemente. Essa talvez deva ser a maior preocupação para o próximo Plano Safra: ter uma exponencial aumento do seguro agrícola, porque os eventos climáticos extremos e a frequência deles vieram para ficar.
O retorno de Trump, nos Estados Unidos abre oportunidades para as exportações brasileiras para a China?
Outro dia eu fui até criticado só porque falei que a eleição de Trump traz um tensionamento para o mundo. Não é uma acusação, simplesmente significa que o mundo vai ficar mais tenso, porque ele tem posições muito claras sobre mudançanças climáticas e sobre algumas pautas de costumes. Não estou julgando essas opiniões, só estou dizendo que o mundo vai ficar mais tenso. E, diante de um mundo mais tenso, temos de ficar mais atentos. Um país como o Brasil, que não tem conflito com a China, não os tem com os Estados Unidos, com a Europa, com a Rússia, tem de seguir assim. Mas o Brasil, no ano que vem, vai liderar os Brics, e os Brics vão ter tensionamento com os Estados Unidos. O Brasil tem de ter uma estratégia: negócios à parte. O tensionamento entre China e Estados Unidos deve esgaçar mais no governo Trump, e temos de tentar ajudar o mundo a ficar em paz, mas, ao mesmo tempo, ficar de olho para ver que oportunidades podemos ter, sem abrir mão da boa relação comercial com a maior economia do mundo, que são os Estados Unidos, que, quando resolve ficar independente da China no comércio exterior, abre janelas para o México e pode abrir para o Brasil. Em relação à China, entendo que a gente não pode ficar apenas sendo um fornecedor de matérias-primas, principalmente no momento em que precisamos viver essa nova neo-industrialização, com o uso de minerais raros, uma outra base industrial. Temos de agregar valor nos produtos e trabalhar a geração de emprego no Brasil. O país, se for pragmático, pode colocar o interesse em primeiro lugar e não tomar partido. Assim, podemos ter algum benefício ou algum ganho nessa situação.