O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Após o fim das eleições na Venezuela e a demora para Nicolás Maduro apresentar os resultados que comprovam a sua vitória, diversas saídas foram apresentadas.
O presidente Lula não reconheceu a vitória e sim pediu, junto a outros líderes da América Latina, que as atas fossem apresentadas. A mais recente proposta encampada pelo Brasil foi a realização de uma segunda eleição no país.
A coluna conversou com o professor de Relações Internacionais da ESPM, Leonardo Trevisan. Conforme o analista, a ideia já perdeu força.
É viável uma segunda eleição na Venezuela?
Quando você tenta encerrar uma briga entre duas pessoas e lança uma ideia que os dois (opositores) recusam de imediato, essa ideia já perdeu força, porque foi exatamente isso que aconteceu. O Celso Amorim lançou essa ideia, o Lula encampou a ideia. Só que tanto a situação, o Maduro, como a oposição, a Maria Corina, disseram que não aceitam. E é simples de entender porque os dois lados não aceitam. O primeiro que piscava, é porque perderam a eleição. E os dois lados estão dizendo que ganharam.
O senhor lembra se isso já aconteceu em algum outro país? Poderia ser considerado um segundo turno?
A ideia de um segundo turno é quando você tem vários candidatos e ninguém alcançou a maioria. Esse é o princípio do segundo turno. O Maduro disse que alcançou a maioria e a Maria Corina também. Só diferem nos números. A Maria Corina disse que ganhou por 67% e o Maduro por 52%. Então não tem sentido você lembrar um segundo turno em que os dois dizem que ganharam com as suas respectivas atas. Então a ideia de segundo turno é frágil. Segundo, eu não consigo lembrar, porque isso é uma interferência direta nos assuntos internos de um país. Dizer, olha, vocês fazem outra eleição porque essa não valeu. É difícil. Se fosse uma expressão interna, uma vontade interna, um quadro interno, teria sentido. Mas num contexto como esse, acho que é difícil.
E Maduro não apresentou as atas, o que não se pode ter certeza em que ele ganhou...
Não há dúvida nenhuma. Isso é uma opinião, eu não ousaria dizer unânime, porque China e Rússia estão calados, mas é praticamente a maioria dos observadores internacionais e dos governos de que a ausência de apresentação das atas compromete completamente o resultado. Dois, nomear o Supremo na Venezuela para o grande juiz (das eleições) é difícil aceitar. Porque foi exatamente esse mesmo Supremo na Venezuela com o número de juízes aumentado, nomeados pelo governo. O Viktor Orbán fez a mesma coisa na Hungria, não é só aqui, é tudo igual. O que esse Supremo fez? Ele cancelou a eleição de 2015. São as mesmas pessoas. Em 2015, a oposição ganhou maioria na Assembleia. O Supremo cancelou aquela eleição e transformou a Assembleia com novos deputados numa Assembleia constituinte. É esse o Supremo que vai validar a eleição? É evidente que temos aí um problema de legitimidade. Esse Supremo na Venezuela está absolutamente, não há outra palavra, do que comprometido com o próprio governo do Maduro.
Qual saída que se vê a partir de agora? A pressão internacional ajudaria ou essa saída deveria partir de um movimento interno da Venezuela?
Você tem dois problemas sobre a Venezuela. Se a Venezuela não fosse o que ela é, ninguém estaria dando tanta atenção. Há um fato real. A Venezuela é a primeira reserva mundial de petróleo. Em outras palavras, tem muito dinheiro embaixo da terra na Venezuela, mas muito. É isso a atenção. Então não adianta a gente dizer, olha, a Venezuela pode ter essa saída ou não, porque o problema X é petróleo. Tem um segundo componente no quadro venezuelano que não aparece nessas discussões, mas é o X da história. Alguém perguntou para as forças armadas venezuelanas o que elas querem? O que elas fazem? O que elas aceitam? Porque as forças armadas venezuelanas são quem sustentam o Maduro. É caso único na América Latina. Os militares venezuelanos são sócios na riqueza do petróleo. Esse é o ponto difícil. Como é que se vai lidar com isso? O impasse é esse. Você vai chegar aos militares venezuelanos que são sócios na riqueza do petróleo, eles ocupam todos os cargos importantes na Venezuela, no Estado venezuelano, inclusive a diretoria e a presidência da PDVSA (estatal venezuelana de petróleo). E você vai dizer para eles, olha, a festa acabou, eu quero ir. Segundo, último problema sobre resolver o impasse. O que você faz com a força da China? Porque a China também tem interesse de comprar o petróleo venezuelano. Então, quando você olha para esse quadro, você vê de alguma forma que o quadro na Venezuela é um pouco mais complexo do que parece.
O senhor acredita que as medidas que o Brasil está colocando em prática, como esperar as atas, estão corretas?
O problema do Brasil é o mesmo problema da Colômbia. São as fronteiras secas com a Venezuela. A Colômbia e o Brasil, a Colômbia tem 2,8 milhões de venezuelanos exilados lá. O Brasil já tem 600 mil, e um endurecimento do regime implicaria numa fuga muito maior, e como a Colômbia diz que não aguenta mais, a fronteira brasileira vai estar. Então, o Brasil tem interesse para não aumentar esse problema interno. Tem um segundo ponto aí que eu acho que é importante. Qualquer situação de maior desequilíbrio na Venezuela vai aumentar a presença dos Estados Unidos na América Latina. Não nos enganemos sobre isso. Se a situação piorar, os Estados Unidos vão usar a Guiana. Podem até mesmo colocar uma base militar aqui, que é a última coisa que qualquer país latino-americano quer. Então, de alguma forma, eu acho que é preciso uma grande sensibilidade para entender a posição da Colômbia e do Brasil, primeiro pela imigração, segundo pelos riscos estratégicos que um endurecimento muito grande no regime de Maduro vai trazer. O Maduro só vai endurecer o regime se ele "pular para o colo da China e da Rússia". Nesse caso, os Estados Unidos vão reclamar e vão agir.
Presidente Lula falou na Rádio Gaúcha na sexta-feira que a Venezuela não vive uma ditadura e sim um regime autoritário. O presidente Lula ainda pisa em ovos para falar sobre tudo isso?
O presidente Lula pisa em ovos. Ele quer preservar a sua função de mediador e se ele avançar na crítica, a Venezuela fecha as portas. O Maduro e os militares venezuelanos provavelmente já conversaram bastante com o embaixador chinês. E o Brasil deve saber disso perfeitamente. Observe que o Lula falou isso quando o chanceler brasileiro Mauro Vieira fez uma viagem a Caracas e a Bogotá e voltou ao Brasil. Ele deve ter trazido informações. Então, de alguma forma, a fala do Lula é uma fala de quem quer preservar sua característica de mediador. Quanto aos fatos, é evidente que um governo que faz uma eleição e não consegue nem fazer aquela democracia eleitoral de fachada, nem isso consegue. Porque na Hungria se faz democracia eleitoral de fachada, na Rússia se faz democracia eleitoral. Eles têm uma eleição. Foi isso que aconteceu na Venezuela. De fato, a Venezuela caminha. De fato, é difícil não nominá-la como uma ditadura.
Leia aqui outras colunas.