
No auge da pandemia, o populista presidente do México, Manuel López Obrador, adotou um comportamento negacionista em relação ao coronavírus. Enquanto seu próprio Ministério da Saúde pedia que as pessoas guardassem distanciamento social, AMLO, como é conhecido, percorria o país apertando mãos e abraçando cidadãos, que lhe pediam favores e tiravam selfies coladas ao político.
— Há quem diga que, por conta do coronavírus, não devemos nos abraçar. Mas temos de nos abraçar, não há problema — dizia, desdenhando da covid-19.
À época, a agora presidente eleita era chefe de governo da Cidade do México. Formada em Física, com mestrado em energia e doutora em engenharia ambiental, Claudia Sheinbaum é uma mulher da ciência. Não cedeu aos caprichos de AMLO. Ao contrário, implementou políticas de emergência comprometidas com a saúde pública e adotou uma estratégia epidemiológica elogiada até hoje.
Demarcar diferenças entre ela e seu mentor político será fundamental nesse longo mandato presidencial, de seis anos. Uma das principais economias da região, vizinho dos Estados Unidos, cuja proximidade determina, para o bem e para o mal, muito de sua realidade, o México vive a pior onda de violência de sua história, com homicídios nas alturas e a influência do narcotráfico em praticamente todos os setores públicos.
Como fazem todos os populistas, de esquerda e direita, AMLO lançou mão de ataques à Justiça e à imprensa profissional. Uma das medidas que vinha propondo é que ministros da Suprema Corte e demais juízes sejam eleitos pelo voto popular. Também defendia eleição para o Instituto Nacional Eleitoral, um órgão autônomo.
A democracia mexicana vem resistindo até agora. No caso do Judiciário, a medida precisaria ser aprovada pelas duas Casas do Congresso, por exemplo, algo que AMLO não tinha apoio integral - agora, o futuro governo terá maioria em ambas.
Os ataques do atual presidente à imprensa profissional também são comuns. Pressionado, AMLO divulgou, por exemplo, o número de telefone de uma repórter do New York Times após o jornal americano pedir a seu gabinete que respondesse a perguntas relativas a ligações entre aliados políticos e cartéis de drogas.
Como se vê, não será só pela ciência que Claudia Sheinbaum terá a oportunidade de delimitar sua autonomia em relação ao antecessor e amigo - as garantias institucionais e o respeito à liberdade de imprensa e expressão definirão se, no futuro, o México continuará sendo uma democracia.