Mais investigação e menos politização. É isso que o episódio da tragédia da pousada da rede Garoa, que matou pelo menos 10 pessoas em Porto Alegre, precisa neste momento.
Nas últimas 72 horas, no entanto, o que se viu foi uma série de articulações para, em ano eleitoral, transformar o desastre da Avenida Farrapos em trampolim.
O primeiro impacto político da noite de horror da sexta-feira, 26 de abril, é uma enorme pressão sobre a prefeitura, sobre o prefeito Sebastião Melo e sobre a Fundação de Assistência Social e Cidadania, a Fasc.
Há várias perguntas sem respostas. Uma delas é como o Executivo firmou convênios com essa rede de pousadas em 2020 e os renovou, em dezembro passado, sem verificar se o PPCI tinha sido aprovado ou encaminhado. Foi preciso que 10 pessoas morressem e outras tantas ficassem feridas para que a prefeitura começasse a vistoriar as demais pousadas nesta segunda-feira (29). Diga-se de passagem, o que o repórter Giovani Grizotti e o fotojornalista Ronald Bernardi fizeram no final de semana: entrar em alguns dos prédios e conhecer, por dentro, como são as estruturas em termos de segurança. Sinais de irregularidades, que já existiam na sexta-feira (26), começam a ser confirmados também graças à reportagem de Grizotti: as inspeções, quando ocorriam, tinham cartas marcadas. A administração da rede de pousadas sabia previamente as datas e horários das mesmas.
Interlocutores do governo Melo admitem mal-estar no Paço Municipal. A tragédia abre uma crise no gabinete do prefeito, candidato à reeleição em um pleito que ocorre daqui a apenas cinco meses. Melo, que ainda não tem vice anunciado na chapa, pretendia fazê-lo até o final deste mês. Agora, porém, seria um péssimo momento.
A oposição se articulou na sexta-feira (26) mesmo - e vai utilizar o fato na campanha contra Melo. A bancada do PC do B na Câmara Municipal protocolou abertura de CPI. Mais uma? Sim, mais uma... Ainda que, no caso da investigação da CEEE Equatorial, esse instrumento político tenha se mostrado insuficiente para dar as respostas imediatas que a sociedade porto-alegrense exige.
No âmbito da Assembleia Legislativa, a sensação é de tragédia anunciada. Deputados como Matheus Gomes (PSOL) vinham denunciando irregularidades nas pousadas havia anos - "péssimas condições de habitabilidade" e "instalações elétricas precárias", diz. A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Casa encaminhou ofícios ao Ministério Público (MP) e ao Tribunal de Contas solicitando a apuração do caso.
Em Brasília, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara tem pedido junto ao MP a suspensão dos contratos da prefeitura com a rede e a instauração de inquérito civil para apuração das responsabilidades por ato de improbidade administrativa contra Melo.
Ofícios para lá... Ofícios para cá... Muita burocracia, dúvidas e pouca transparência sobre o histórico da relação entre prefeitura e a rede Garoa. E a tragédia que precisa ser investigada acaba por ser politizada.