Desde julho, Carrie Muntean é a cônsul-geral dos Estados Unidos em Porto Alegre, cidade à qual chegou depois de ocupar postos em Manágua, capital da Nicarágua, e posições em Moscou (Rússia), Londres (Reino Unido), Luanda (Angola) e na Cidade do Panamá (Panamá).
Antes de chegar à capital gaúcha, Carrie foi vice-diretora do Escritório de Assuntos Centro-Americanos do Departamento de Estado. Natural da cidade de East Hampton, em Connecticut, a hoje experiente diplomata completou a graduação na Adelphi University, em Nova York, e fez mestrado em Relações Internacionais na George Washington University, em Washington.
Nesta entrevista, ela conta, em português fluente, como tem sido morar em Porto Alegre, fala sobre as relações comerciais e parcerias entre os Estados Unidos e o Rio Grande do Sul e comemora o número recorde de vistos concedidos em 2023 pelo consulado cuja jurisdição atende Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
A senhora já passou por tantos postos pelo mundo? Manágua, Moscou... Como tem sido viver em Porto Alegre?
A adaptação, em Porto Alegre, é bem mais fácil do que em muitos outros lugares, e, em cada país, tem-se uma experiência diferente. É a minha primeira vez no Brasil e acho que tenho sorte de estar no Sul, porque as pessoas são muito acolhedoras. Elas são sempre pacientes, não somente com o meu português, mas com o portunhol do meu marido, que é mais espanhol do que português (risos). E também elas sentem um orgulho que, óbvio, entendo por quê: a cultura gaúcha, a história, aqui, é bem diferente do que em outras partes do Brasil.
Em que sentido?
No sentido de inovação, de independência. Uma independência política, sim, mas também a ideia de estar apartado, uma visão mais ou menos única no Brasil. Durante as enchentes, no ano passado, vimos muita generosidade por parte das pessoas em todo o Rio Grande do Sul. Achei bem impressionante.
Durante 21 anos, o consulado dos Estados Unidos ficou fechado em Porto Alegre. Desde que foi reaberto, há sete anos, isso facilitou muito a vida dos gaúchos que desejam fazer o visto americano. O que a senhora destaca nessa relação com o Rio Grande do Sul?
Temos muitos pontos positivos. Na verdade, há muitas prioridades comuns entre o Rio Grande do Sul e o Brasil e os Estados Unidos. O consulado está muito envolvido em todas as áreas que temos prioridades em comum.
Quais?
Por exemplo, comércio e investimento são bem importantes em ambas direções: para o Brasil e também para os Estados Unidos. Temos uma equipe muito pequena, mas forte, que está trabalhando para ajudar as empresas gaúchas que querem se internacionalizar, para que tenham mais informações sobre o mercado dos Estados Unidos. Um exemplo disso foi o SelectUSA Roadshow, um evento realizado na Fiergs em janeiro, quando 150 empresas gaúchas tiveram a oportunidade de conhecer e fazer contato com representantes de oito Estados norte-americanos e de 12 regiões econômicas. Esse roadshow ocorre todos os anos e é uma amostra concentrada do SelectUSA, um programa do governo dos Estados Unidos para promover e facilitar o investimento empresarial no país. Esses Estados saíram fazendo muitos elogios sobre as impressões que eles tinham sobre a alta qualidade das empresas gaúchas. Eles têm muito interesse em continuar com essas relações.
Quais possibilidades de negócios a senhora vê entre empresas gaúchas e os Estados Unidos? Os dois locais passam por questões de reindustrialização, de necessidade de investimento, até porque viemos de uma pandemia...
Sempre reclamamos que não temos tempo suficiente para fazer tudo o que queremos. Então, como não usar uma ferramenta tão forte (inteligência artificial), para que tenhamos mais tempo para nós, para as coisas que os humanos precisam fazer?
Os Estados Unidos são o país com a maior quantidade de investimento direto no Brasil, quase quatro vezes mais do que o segundo país, e o Rio Grande do Sul tem uma quantidade impressionante de investimento nos Estados Unidos. Os laços são muito fortes entre os dois países, e acho que o nosso comércio só tem a ganhar com esse intercâmbio. Nessa região do Brasil, particularmente, vemos muita inovação e dedicação a práticas sustentáveis. Sabemos que os Estados Unidos têm coisas para aprender também. As relações econômicas entre o Rio Grande do Sul e os Estados Unidos são robustas e mutuamente benéficas. O Rio Grande do Sul é um importante Estado, já é a segunda maior fonte de investimento brasileiro nos Estados Unidos, e queremos aumentar isso, com o comércio e o investimento em ambas as direções.
A senhora está falando bastante em inovação. Os gaúchos se orgulham disso. Há eventos como o South Summit e houve forte presença na COP28, em Dubai. O que a senhora espera do futuro em relação a essa parceria, especificamente nas áreas de tecnologia e inovação?
Esperamos poder continuar a expandir essa colaboração para que tenhamos ainda mais progresso na área de tecnologia, particularmente, com maneiras mais seguras.
É importante lembrar que temos agora a inteligência artificial (IA), e muitas pessoas têm medo desse desenvolvimento. Ao mesmo tempo, há muitos jovens – e gente não tão jovem também – que têm muito talento nessa área. Eles podem contribuir para que, nessa relação entre Estados Unidos e Brasil, possamos continuar a inovar, mas também para a segurança de toda a nossa comunicação e tecnologia.
Em relação à IA: trata-se de uma oportunidade, mas ao mesmo tempo há muita cautela?
Acho que é uma oportunidade. Sempre reclamamos que não temos tempo suficiente para fazer tudo o que queremos. Então, como não usar uma ferramenta tão forte para nos ajudar nisso, para que tenhamos mais tempo para nós, para as coisas que os humanos precisam fazer? Para que fazermos coisas mais repetitivas ou burocráticas, se podemos usar inteligência artificial? Por exemplo, para um serviço de atendimento ao cliente melhor do que nós temos hoje? Vamos ter muito mais capacidade com a IA.
Mas a segurança é uma preocupação.
Acho que não podemos usar inteligência artificial sem uma pessoa, uma equipe encarregada de revisar os resultados para assegurar que tudo está de acordo com o que estávamos pensando.
Como estão as parcerias entre o consulado e o Rio Grande do Sul na área da educação? Em termos práticos, o que o governo americano faz?
O que fazemos, em todos os âmbitos, é estabelecer conexões. Nessa área, particularmente, temos alguns programas para jovens que querem, por exemplo, aprender inglês. Neste ano, 25 jovens afro-brasileiros e indígenas, 15 do Rio Grande do Sul e 10 de Santa Catarina, vão participar do programa Access E2C 2024, que é um curso online de inglês com 210 horas de aulas em tempo real. Estamos tentando fazer conexões entre as instituições, as empresas e as organizações que têm os recursos e as pessoas que não os têm. Também temos programas para os professores que estão ensinando o inglês, por exemplo. Ensinando uma professora, você acaba afetando centenas de estudantes em vez de só ensinar um estudante. Entre janeiro e fevereiro deste ano, 29 professores de inglês do RS e de SC participaram de um programa de seis semanas nos EUA para melhorar a proficiência e o ensino do idioma em sala de aula, com apoio do governo brasileiro. Para encorajar as relações interpessoais entre americanos e brasileiros, o consulado promove vários intercâmbios e eventos e dá apoio a projetos de educação e cultura em parceria com instituições locais. Mais de 500 pessoas, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, já participaram de algum programa oferecido pelo governo americano ao longo da nossa história de intercâmbios. Só neste ano já sabemos que pelo menos oito gaúchos e catarinenses viajarão aos Estados Unidos para o Programa de Liderança de Visitantes Internacionais (IVLP), que é um dos programas de intercâmbio profissional de maior prestígio do governo americano. Nesse programa, os participantes passam três semanas nos Estados Unidos trocando conhecimento e experiências com profissionais e autoridades de destaque no tema específico de cada projeto e também vivenciam em primeira mão aspectos culturais, sociais e políticos dos Estados Unidos.
Estamos fazendo uma conexão entre Nova York e o Rio Grande do Sul para a questão das enchentes. vamos trocar informação, aprender a partir da experiência do Brasil, e vice-versa. A ideia é que os governos estaduais possam fazer uma previsão melhor desses tipos de desastre no futuro, como podem reagir e ajudar as pessoas.
Sobre segurança pública, como os Estados unidos estão auxiliando as autoridades gaúchas?
As parcerias são bem fortes. Recentemente, novamos com a Secretaria de Segurança Pública do RS o Protocolo de Atuação Conjunta para aumentar a cooperação e compartilhamento de informações para o combate a ameaças em comum, como a falsificação de documentos, crime organizado transnacional, tráfico de pessoas e lavagem de dinheiro. Vamos mandar também, acho que duas pessoas, uma da Brigada Militar e uma da Polícia Civil de Santa Catarina, para um programa sobre prevenção e resposta à violência nas escolas. Que é um tema bastante novo aqui no Brasil e, infelizmente, não tanto novo nos Estados Unidos. E esse programa vai ser uma oportunidade de falar sobre como está a situação agora, como os Estados Unidos estão lidando com isso e quais são as lições que os brasileiros já têm das experiências que tiveram. E fazer conexões que vão ajudar um e outro para o futuro. Nossa parceria com todas as forças de segurança do Rio Grande do Sul é fundamentada por interesses e objetivos comuns, como os pilares do programa RS Seguro: políticas sociais preventivas e transversais, combate ao crime, sistema prisional, e qualificação do atendimento ao cidadão. Em 2024, vamos continuar enviando policiais para treinamentos internacionais e traremos especialistas dos Estados Unidos para capacitações em uma variedade de tópicos, entre eles: técnicas de entrevista na atividade de inteligência, combate ao tráfico de pessoas, investigação de fraude de passaportes e vistos, combate à violência de gênero, e prevenção da violência escolar.
É possível trocas de aprendizado também na área de meio ambiente, em termos de respostas às catástrofes climáticas?
Na área de meio ambiente, trabalhamos de perto com o governador e sua equipe para apoiar a agenda do Estado para o clima. À luz da série de desastres naturais que atingiram o Estado em 2023 – da seca a enchentes –, o consulado está ajudando o governo a se preparar para futuros eventos desse tipo. Parte desses esforços foi a ida aos Estados Unidos de um dos chefes da Defesa Civil gaúcha para um intercâmbio profissional com foco em Preparação para Desastres e Gestão de Emergência. Esse programa foi direcionado a 25 profissionais de vários países do mundo, e o tenente-coronel gaúcho foi o único selecionado do Brasil. Estamos fazendo uma conexão entre Nova York e Rio Grande do Sul para a questão das enchentes. Porque em Nova York, nossos colegas têm muita experiência, infelizmente, com os desastres causados pelas mudanças climáticas. Então, vamos trocar informação, aprender a partir da experiência do Brasil, e vice-versa. A ideia é que os governos estaduais possam fazer uma previsão melhor desses tipos de desastre no futuro, como podem reagir e ajudar as pessoas. É isso que o consulado está tentando fazer. Conectar as pessoas com experiências semelhantes para trocar informação. Com os desastres naturais recentes e o impacto negativo à infraestrutura, meios de subsistência e vidas perdidas, o consulado está ajudando o governo gaúcho a se preparar para futuros eventos desse tipo, que provavelmente se tornarão mais frequentes devido à crise climática.
Em 26 de maio, completam-se 200 anos das relações entre Estados Unidos e Brasil. Como serão as celebrações?
É excelente que já chegamos a 200 anos. Temos uma parceria ótima e já temos um programa planejado para celebrá-la. As comemorações desse bicentenário começaram aqui no RS há poucos dias, com a visita de uma mulher impressionante, Nancy Wang. Ela é uma jovem americana, fundadora da Advancing Women in Tech, que se dedica a acelerar carreiras de mulheres em tecnologia tentando preencher as lacunas de diversidade em cargos de liderança. Ela esteve em Porto Alegre para uma série de encontros e palestras, como o South Summit e a conferência global de parques científicos que aconteceu no Tecnopuc, além de um bate-papo aberto ao público no Instituto Caldeira com uma secretária do governo do RS. Outro evento para marcar os 200 anos, ainda sem data específica: vamos abrir uma Esquina Americana aqui em Porto Alegre, um espaço onde qualquer pessoa poderá entrar gratuitamente para saber um pouco mais sobre a cultura americana, sobre a língua inglesa, sobre a história dos Estados Unidos.
Onde será esse espaço?
No Senac Centro Histórico, a partir de uma parceria entre o Consulado e o Senac-RS. Esperamos que seja inaugurado no segundo semestre de 2024. Vamos ter eventos, será um espaço para maior interação entre os brasileiros e os americanos. Vamos ter um clube de conversa, palestras, acesso gratuito à internet e recursos sobre, por exemplo, como um brasileiro pode estudar nos Estados Unidos.
O número de pessoas que buscam o visto americano no Brasil tem batido recordes. Muitas vezes, a demora é de mais de 200 dias. O que estão fazendo para acelerar esse processo?
As boas notícias são que a espera não é tão longa aqui no Rio Grande do Sul. Geralmente, a espera é de mais ou menos 30 dias para a pessoa que está solicitando o visto B1/B2 (para viagens de turismo e negócio) pela primeira vez. As pessoas que já têm esse visto, e que tenha vencido nos últimos quatro anos, podem renovar o documento sem necessidade de entrevista. A espera é para a entrevista. E a razão pela qual nós temos uma espera maior é porque temos espaço restrito para tantas pessoas por dia por causa do pessoal. Já aumentamos a nossa equipe de atendimento ao público. Já terminamos o processo com as pessoas que estavam esperando depois da pandemia. Então, agora, toda a demanda aqui no sul do Brasil é nova, veio depois da pandemia. O problema maior era que a maioria das pessoas solicitou visto durante a pandemia e estava esperando. Então, a espera continuava a crescer, e nós não estávamos atendendo. Agora, acho que vamos ter êxito.
É uma procura muito grande, imagino, pós-pandemia.
O consulado processou mais pedidos de visto em 2023 do que em qualquer outro ano desde a reabertura, em 2017, e 20% a mais do que o recorde estabelecido em 2022. Em 2023, foram mais de 130 mil vistos processados. Agora as pessoas podem viajar. Então, querem viajar. Queremos que os brasileiros nos visitem. É algo muito importante para nós.
Além de muitos turistas que queiram ir para os Estados Unidos a passeio, como está a procura por visto de negócios?
Um comerciante, um estudante, alguém que tenha algo muito urgente a fazer nos Estados Unidos, pode ser para a saúde, nós temos um processo para a obtenção do visto mais rápido. É bem importante para nós ser o mais efetivo possível para ajudar os brasileiros que querem e precisam estar nos Estados Unidos. Estamos aqui para continuar a fortalecer essas conexões entre as empresas, entre os nossos povos. Temos muitas experiências em comum e queremos continuar a nossa amizade por mais 200 anos.
Há uma preocupação nos Estados unidos em relação à segurança da rede, da informação, para que sejam evitados ataques de China ou de Rússia. Como tornar a rede mais segura?
Tivemos uma reunião de empresas aqui no Rio Grande do Sul, na qual estávamos falando sobre segurança e temas muito preocupantes para essas empresas, não somente para os Estados Unidos. A cibersegurança foi o primeiro tema mencionado, e toda a sala estava dizendo o quão importante essa questão de segurança é. Como países que temos tantos valores em comum, democracia, liberdade de expressão, tudo isso, como é que podemos coordenar para assegurar que os nossos povos podem ter acesso à informação verdadeira. É um problema atual, um desafio de segurança que apareceu e tem grande influência na sociedade. Então, é um desafio importante e uma prioridade também.