Em meio ao complexo cenário das mudanças climáticas, o desafio de se pensar negócios para além do interesse financeiro tem se tornado cada vez mais urgente. Nesse sentido, a empresa CMPC realiza nesta quarta-feira (23) o Fórum de Sustentabilidade, evento restrito a convidados no Teatro Unisinos, em Porto Alegre.
A intenção é reunir líderes políticos e do setor empresarial para discutir o tema O Biofuturo já Começou. O fórum contará com painel do CEO do Grupo CMPC, o chileno Francisco Ruiz-Tagle, que também dirige o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, associação global que busca uma agenda de desenvolvimento sustentável no setor empresarial.
O evento contará com palestra de um dos fundadores do movimento Capitalismo Consciente, o indiano Raj Sisodia. À coluna, Ruiz-Tagle antecipou o debate.
Qual será a mensagem de sua palestra em Porto Alegre?
O “biofuturo” já começou. E tem a ver com o fato de as companhias, hoje em dia, não colocarem seu foco apenas no lucro, mas também se darem conta de que são parte de um ecossistema onde importa seu impacto na sociedade e no ambiente. Por isso, ficamos interessados em conhecer os estudos do professor Raj Sisodia sobre o capitalismo consciente. Ele e John Mackey (empresário do EUA) demonstraram que as empresas mais lucrativas também eram organizações que tinham características sustentáveis. Eram mais humanas e envolvidas com as sociedades das quais participavam. O tema da sustentabilidade não é uma coisa separada, é inerente a uma empresa. Tem a ver com o sucesso da companhia e com lucro.
Como aplicar sustentabilidade aos negócios?
Sustentabilidade é uma palavra que tem a ver com querer fazer parte do futuro que se está construindo. Colocar atenção no âmbito que não tem a ver apenas com o negócio propriamente dito. Tem a ver também com o ambiente, com as pessoas e, por isso, com fazer parte das soluções.
Ser fator de mudança na sociedade e no ambiente. Normalmente, as pessoas esperam que os Estados solucionem as coisas. Estou convencido de que as necessidades das pessoas, o bem-estar delas, estão ligados ao que uma empresa privada pode entregar a elas. Sustentabilidade também tem a ver com como a empresa privada cuida, por exemplo, dos recursos naturais, como faz parte do desenvolvimento e do impacto em uma sociedade.
Há uma necessidade de que o tema do ambiente saia do âmbito dos governos e das discussões dos ambientalistas ou das conferências das Nações Unidas sobre o clima e se insira nos mercados financeiros e bancos centrais. Como?
Estive na COP (Conferência do Clima) de Paris, onde os grandes líderes globais se referiram à sustentabilidade e aos objetivos de sustentabilidade, as 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). Para alcançar esses objetivos, é fundamental a participação das empresas privadas. Os governos não são capazes de alcançar os objetivos se não tiverem a participação do setor privado. Reduzir emissões, consumo de água, tudo isso está estritamente ligado com o que faz o setor privado.
Muita gente pensa que empresas e agronegócio estão de um lado e ambientalistas de outro. Como juntar essas partes?
Os países nórdicos têm associações fortes entre o setor privado, o Estado e os setores da educação, a universidade. E trabalham de forma conjunta em busca de melhor sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. Inclusive com as ONGs.
Que não seja ideológico?
Exatamente. Que seja associação genuína em busca de um mundo melhor para as pessoas. As coisas já melhoraram e avançaram. Porque, se pensarmos, as empresas privadas e o nosso setor (celulose), há 15 ou 20 anos, não tinham nenhuma relação com as ONGs. No caso da CMPC, conseguimos certificações em todos os nossos manejos florestais sustentáveis. E nos aproximamos de várias ONGs com as quais existia um certo grau de tensão. Hoje, temos relação bastante fluida com todas. Não sinto que tenhamos dificuldade para nos relacionarmos com organizações que são, digamos, sem fins lucrativos. Nisso, avançamos.
Para as empresas menores, é difícil abrir essa frente ou não pensar na questão ambiental apenas como marketing?
É difícil. Mas creio que é factível. É um esforço que deve ser conjunto. Acho que as empresas maiores podem colaborar com as menores que são, por exemplo, provedoras das grandes. No nosso caso, que contratam funcionários para trabalhos florestais, por exemplo. Pode-se trabalhar de forma conjunta e ajudá-las a avançar. Há uma responsabilidade por sermos maiores. Sobre ESG, utilizá-la para limpar a imagem, bom, há muito disso, eu acho que há provavelmente vários exemplos nos quais se está abusando disso. Por isso, é necessário ser muito cuidadoso. Nós, em particular, somos muito cuidadosos em relação a não abusar em nada. Estabelecemos metas muito concretas e rigorosas de redução de emissões, que têm confirmação científica, de ter zero resíduos em 2030, 25% de redução da água em 2025, aumentar a conservação em 100 mil hectares. Tudo isso está sendo rigorosamente medido.
O senhor dirige uma empresa que durante décadas foi vista como parte de um sistema que destruía o ambiente. Como equilibrar essa imagem forte e pesada e a sustentabilidade?
Trabalhamos muitos anos cuidando do ambiente e da sociedade. Primeiro no Chile, e não tínhamos nada a ver com Brasil a essa altura. Mas essa era uma empresa que, talvez, guardou silêncio por muito tempo. As empresas falavam pouco. E nos demos conta, há mais de 10 anos, que era importante começar a contar o que fazíamos. Por um lado, porque as empresas se ocupam de seu entorno e muitas vezes foram cometidos erros. Entramos em uma fase muito mais consciente a respeito de sustentabilidade a partir de sete anos atrás, em que começamos a estabelecer metas concretas. Temos certas definições muito concretas em nossos investimentos, nas formas com que avaliamos os projetos. Cada avaliação de projeto, por exemplo, não é simplesmente mais no sentido do que gera dinheiro, mas como ele impacta ambientalmente e socialmente. E isso medimos. A forma de avaliar os avanços da empresa não são apenas lucrativos, mas também sociais e ambientais.