Fosse em qualquer outro tempo, falar em ampliação do Brics já seria complicado. Mas, nesta esquina turbulenta da História, essa possibilidade é observada com olhos de desconfiança por Estados Unidos e Europa.
O que mais se ouvirá na África do Sul, entre esta terça (22) e quarta-feira (23), serão discussões sobre o ingresso de novos países no clube integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Até porque os próprios membros costumam alimentar a ideia de que há um desejo de um punhado de nações de se filiarem ao Brics. É natural, uma forma de valorizar o grupo como um objeto de desejo. Mas a verdade é que, por trás dessa discussão, há uma forte tensão que permeia os bastidores do encontro anual do grupo criado na primeira década dos anos 2000: o risco de o Brics ser visto como uma agremiação que comunga de ideais anti-americanos ou anti-ocidentais.
Para isso, bastaria ter Rússia e China como parceiros. O primeiro responsável pela invasão da Ucrânia. O segundo a única potência capaz rivalizar em poder econômico e, em breve, militar, com os EUA.
O caráter anti-americano já é forte. Mas, quando se observa a lista de possíveis entrantes, a coisa piora: Venezuela, Cuba, Irã e Belarus, quatro ditaduras, as duas primeiras de esquerda, o reino dos aiatolás, uma teocracia, e a última um Estado fantoche do Kremlin. Todos compartilham de valores iliberais, com perseguição a opositores políticos e onde não há liberdade de imprensa.
Segue a lista: Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos também desejam acesso ao clube. Embora aliados do Ocidente, também não são democracias.
Para o Brasil, há um dilema particular que ficará exposto no encontro que começa nesta terça-feira (22). Se a China é o principal parceiro comercial brasileiro, os EUA são o segundo. O pragmatismo diplomático dificilmente tem entrado em cena. E o ditado "Amigos... amigos, negócios... à parte" nem sempre é compreendido pela Casa Branca, que costuma ver a proximidade com Pequim e Moscou como alinhamento perigoso.
Além disso, sabe-se como Lula costuma se sentir à vontade entre rivais americanos. No retorno da viagem à China, neste ano, o presidente deu aquela rápida entrevista na qual colocou tanto Rússia quanto Ucrânia como responsáveis pela guerra. Os EUA e a Europa ficaram de orelha em pé e, com uma frase, Lula jogou por terra qualquer possibilidade de mediar o conflito.
Outras de suas ideias que devem aparecer na África do Sul têm poder para desestabilizar a amizade com Washington: uma moeda comum para comércio interno, para reduzir a dependência do dólar, e o Brics como uma voz política a favor da reforma dos organismos internacionais erigidos no pós-Segunda Guerra, como as Nações Unidas. Ainda que essas entidades não representem a lógica de poder atual, que não se esqueça que muito das relações entre as nações ainda estão contaminadas pelo espírito da Guerra Fria.