A renúncia de Bento XVI ao trono de São Pedro, em 2013, evitou que o mundo católico acompanhasse seu calvário pessoal. Ao longo de quase 10 anos, o Pontífice alemão viveu isolado e de forma discreta no Mosteiro Mater Ecclesiae até falecer recentemente, em 31 de dezembro de 2022, aos 95 anos.
O último chefe da Igreja Católica a exibir, perante as câmeras, as mazelas provocadas pelo peso da idade fora João Paulo II, morto em 2005, aos 84 anos.
O atual sofrimento de Francisco, nos últimos tempos acossado por várias enfermidades, faz seu rebanho de fiéis olharem com apreensão, novamente, para as janelas do 10º andar da Clínica Gemelli, o "hospital dos papas", em Roma. Nesse setor, há toda uma estrutura montada para receber, com exclusividade, os pontífices. É lá que Francisco deve se recuperar da cirurgia em andamento nesta quarta-feira (7).
Aos 86 anos, o papa argentino dá mostras, em seu rosto, a cada aparição recente na Praça de São Pedro, de sentir fortes dores. A operação de emergência anunciada pelo Vaticano deve-se ao risco de obstrução no intestino. Mas as enfermidades se acumulam: dores persistentes no joelho direito devido a uma artrose, diverticulite que o obrigou a retirar parte do intestino há dois anos, episódios de febre que o levam a cancelar audiências, e uma bronquite, em março, que o deixou cinco dias internado na Gemelli.
A cada internação, como ocorria com João Paulo II, junto às orações dos fiéis, surgem as especulações sobre a sucessão no Vaticano. No caso de Francisco, há duas diferenças. A primeira é que, desde a renúncia de Bento XVI, a primeira de um papa em quase 700 anos, essa é uma porta sempre aberta - e que já não causa estupor intramuros.
O próprio Pontífice argentino tem insinuado, nos últimos anos, que estaria disposto a repetir o gesto do papa alemão, caso se sinta incapaz, por razões de saúde, de comandar a Igreja. Francisco visitou recentemente o túmulo do papa Celestino 5º em Áquila, aprofundando rumores de que pudesse seguir o caminho inaugurado por aquele papa em 1294. Uma nova renúncia não seria um tabu.
A outra diferença em relação a João Paulo II é que Francisco já preparou a sua sucessão. O Pontífice argentino vem mudando gradualmente o perfil do Colégio Cardinalício, responsável pelo conclave. Em agosto do ano passado, por exemplo, deu posse a 20 novos cardeais. Hoje, o grupo que elegerá o futuro papa conta com 226 integrantes, dos quais 132 são eleitores, ou seja têm menos de 80 anos e possuem, portanto, direito a voto.
Assim, Francisco tem desenhado uma Igreja menos eurocêntrica e mais aberta às diferenças geográficas e culturais do rebanho católico - e, sobretudo, mais conectada aos clamores contemporâneos, como as urgências ambientais, por exemplo. Mais do que isso, ao erigir um Colégio Cardinalício a sua imagem e semelhança, o Papa não está apenas construindo o sucessor, mas, sobretudo, garantindo, em vida, seu legado como reformador.