Para um general, uma das mais vergonhosas imagens é ver sua tropa batendo em retirada, abandonando pelo caminho a armadura de seu exército: blindados, lança-foguetes, caminhões e jipes. Pior do que isso, é o capítulo seguinte: ver os soldados inimigos escarafunchando o armamento de seu país ou o exibindo como troféu. Não por acaso, exércitos em fuga costumam destruir seu próprio arsenal ou retirar códigos-fonte, em desespero antes da fuga, para que não caiam nas mãos dos inimigos.
A História é pródiga em cenas desse tipo. Apenas dois exemplos contemporâneos: a rota do desespero dos homens de Saddam Hussein do Kuwait, em 1991, que deixou para atrás um mar de aço retorcido no deserto; e a mal planejada retirada das tropas americanas do Afeganistão, em 2021, quando barbudos talibãs apareceram em fotos dando um passeio de helicóptero UH-60 Black Hawk - aliás, estima-se que a milícia herdou o equivalente a R$ 93 bilhões em armas e veículos abandonados.
Na Ucrânia de 2022, o véu de mentiras que protege o que havia de dignidade das forças armadas russas foi retirado nos últimos dias, com cenas de equipamentos queimados no caminho para Kharkiv, no leste do país. Os russos bateram em retirada da segunda maior cidade ucraniana, uma metrópole com população equivalente a Porto Alegre, localizada a apenas 40 quilômetros da fronteira da Rússia. Há algo errado quando um exército que decide invadir outro país e não consegue manter uma posição tão próxima de seu território. A Rússia não conseguiu.
Pior: entre o dia 7 de setembro (quarta-feira) e 11 (domingo), suas forças armadas teriam perdido 338 caças, tanques ou caminhões, deixados para trás, conforme o site de inteligência de código aberto Oryx.
Acabou a guerra? Claro que não. Mas o avanço ucraniano dos últimos dias revela o esgotamento russo, que depende, de um tempo para cá, basicamente de prisioneiros, obrigados a ir ao front para não ser mortos, e mercenários chechenos dispostos, como o nome diz, a ganhar dinheiro com a indústria da morte.
Não há invencionices na contraofensiva ucraniana, cujas técnicas pululam manuais de estratégia: desinformação (cortina de fumaça), ao anunciar ataques no Sul, fazendo o inimigo deslocar tropas para a região, desguarnecendo outra, que acaba sendo alvo da ação; e corte nas linhas de suprimentos. A Ucrânia tem feito ataques cirúrgicos à logística russa, mirando, graças ao apoio da inteligência americana, locais com efetivo menor e tropas mal preparadas.
Um retorno ao cenário pré-fevereiro de 2022 ainda é distante - ao menos tão rapidamente. E pré-2014 (com Crimeia livre) pouco provável. Mas se a pressão continuar - e o apoio do Ocidente for mantido -, as imagens dos equipamentos russos destruídos, que supõem soldados em fuga, devem aumentar. Isso fará crescer a pressão interna sobre Vladimir Putin, que nunca precisou tanto da China para manter seu arroubo de grandeza à Oeste.