No auge da pandemia na Europa, em março, enquanto Itália, Espanha e França sucumbiam ao coronavírus, Portugal dava exemplo ao mundo: a maior parte da população ficou em casa, pais retiraram filhos das escolas e empregadores orientaram seus colaboradores a adotar o teletrabalho.
O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, virou exemplo de liderança: enquanto alguns chefes de Estado negavam a gravidade do coronavírus, apareciam sem máscara e desrespeitavam o distanciamento social, ele adotava comportamento exemplar em meio à pandemia: sempre de máscara em público, evitando contato físico com os cidadãos e orientando a população a suportar as limitações - o auge foi a foto postada por um cidadão em redes sociais na qual estava na fila de um mercado, vestindo bermuda e camiseta, respeitando o distanciamento e usando o equipamento.
Os cidadãos adotaram o confinamento espontâneo, mas diante da ameaça que chegava pelos vizinhos, o governo decidiu pelo lockdown, que durou 45 dias.
Graças a essas medidas e ao comportamento da população, o país virou uma ilha na qual números baixos da covid-19 destacavam-se em um continente atormentado por mortes, sistema hospitalar em colapso e trabalhadores da linha de frente exauridos.
Passados sete meses, Portugal agoniza. Tem a maior média diária de novos casos de contágio por milhão de habitantes nos últimos sete dias (931), a maior da Europa. A falta de leitos de UTI (no sábado, restavam apenas sete), levou o país a enviar pacientes para a Áustria - algo similar ao que o Amazonas tem feito com outros Estados brasileiros. Portugal estuda pedir mais ajuda a outras nações da União Europeia (UE).
O que houve?
Como em vários casos de nações que eram case de combate ao vírus e também sucumbiram nesse um ano de pandemia, as explicações são variadas e não, necessariamente, matemáticas. E trazem lições, especialmente para o Rio Grande do Sul, que também foi exemplo de contenção do coronavírus em relação ao Brasil no auge da primeira onda.
Em maior ou menor grau, a maioria dos países da Europa, passado o verão de liberdades e com relativo aumento de casos de covid-19 que já indicavam a segunda onda, se blindou para o inverno. Lembrando que lá, ele ocorre no segundo semestre, quando se aproximam as festas de final de ano. Espanha, Itália, Alemanha e Reino Unido adotaram restrições de viagens internas e no interior do Espaço Schengen. O número de pessoas permitidas em casa para festas de Natal e Ano-Novo também foi reduzido. Portugal, ao contrário, autorizou seus cidadãos a viajarem para encontros familiares entre cidades do país e não estabeleceu limites de pessoas reunidas nas festividades.
Claro, não foi só isso. A notícia da descoberta da vacina e dos primeiros imunizados ali do lado, no Reino Unido, em 8 de dezembro, ajudou na percepção de que a pandemia se aproximava do fim. Mais: o relaxamento ocorreu em momento determinante: diante do aparecimento de uma nova cepa do coronavírus também ali do outro lado do Canal da Mancha, mais transmissível e letal, em especial em um país com o número de idosos elevado como Portugal. A incidência da nova cepa britânica no país triplicou em sete dias, está em 13% dos casos e pode chegar a 60% em fevereiro.
Como se sabe, a vacinação não avança tão rapidamente - nem na Europa rica - quanto o coronavírus. Diante da nova realidade, o governo português decidiu decretar nova quarentena em 15 de janeiro, mas manteve escolas abertas. Depois das críticas, o país voltou atrás e encerrou as atividades letivas. Hoje, o Executivo faz mea-culpa. O primeiro-ministro português, António Costa, diz que, se soubesse a tempo, as medidas para o Natal seriam diferentes.
Lições para o RS: fomos exemplo para o Brasil no auge da primeira onda. É possível vislumbrar a luz no fim do túnel, com a vacina que já chega a conhecidos nossos e, em breve, alcançará os mais chegados. Mas o inverno não está longe, e as doses não chegarão a tempo para todos para uma imunização coletiva. Há ainda as mutações que preocupam, como a cepa de Manaus. Os cuidados devem ser não apenas mantidos, mas redobrados. O exemplo de Portugal nos lembra que não, a pandemia não acabou.