Está posto o primeiro desafio de política externa do governo Joe Biden: lidar com a China, não apenas na questão comercial, mas, pelo que mostram os primeiros dias de governo, com a flexão de músculos do gigante asiático em uma área extremamente sensível, o Mar do Sul da China. A área é estratégica para o comércio mundial: cerca de US$ 3 trilhões em mercadorias passam por ali a cada ano, incluindo 80% do petróleo e gás para a China. Não só isso. Seis países reivindicam partes do mar: China, Indonésia, Filipinas, Malásia, Brunei e Vietnã.
Uma lupa sobre os atores e suas alianças também revela um palco perfeito para a chamada Guerra Fria 2.0: os EUA consideram o mar uma área internacional, enquanto a China, potência em ascensão, deseja 85% de soberania sobre a região, como parte de seu entorno estratégico. A nação também construiu várias ilhas artificiais para uso militar. Ali perto fica ainda Taiwan, onde se abrigaram os nacionalistas que fugiram da revolta liderada por Mao Tsé-tung, em 1949, e até hoje considerada uma província rebelde. Na semana passada, a China advertiu que a independência de Taiwan seria considerada uma declaração de guerra. E não ficou apenas no campo da ameaça verbal. Houve recados: caças chineses entraram no espaço aéreo taiwanês.
Taiwan mantém uma aliança carnal com os EUA, e as movimentações militares chinesas ocorreram durante os primeiros dias de Biden na Casa Branca, o que pode ser considerado um recado a Washington. Participam do treinamento 13 aviões de guerra, incluindo oito bombardeiros H-6K e quatro caças J-16.
Há razão para tanta preocupação chinesa. Os EUA deslocaram nos últimos dias dois porta-aviões para a região, levando a China a iniciar, de uma hora para a outra, um exercício naval dissuasivo. Na semana passada, um EP-3 americano voou lado a lado com um chinês Y-8G, uma ocorrência rara. No discurso durante o Fórum Econômico Mundial, que ocorreu na semana passada por via remota em razão da pandemia, e não em Davos, como de costume, o presidente chinês, Xi Jinping, afirmou que é preciso evitar a "Guerra Fria 2.0" e defendeu o multilateralismo como forma de evitar conflitos.
O governo Biden, até o momento, não delineou claramente a sua política para a China, embora tenha dito que sua relação com Taiwan "é sólida como uma rocha" - o que já estabelece, claramente, um lado. Sabe-se também que, embora de forma mais diplomática, a pressão sobre os chineses por parte de Washington irá seguir com mesma intensidade do que na época de Donald Trump, com um adendo: críticas às questões dos direitos humanos em Hong Kong e aos povos da etnia uigur. A ameaça chinesa à hegemonia americana no mundo pós-covid-19 é um dos poucos temas de consenso entre republicanos e democratas - muda a forma, a abordagem, com Biden, mas a essência continua parecida com a de Trump.