A tradição da política americana diz que, no mês que antecede as eleições presidenciais, costuma aparecer um fato novo, a chamada "surpresa de outubro": normalmente, trata-se de um grande episódio que irrompe na mídia, com potencial para devastar uma campanha e beneficiar outra.
Em 2016, a "surpresa" de outubro ficou por conta da divulgação dos e-mails da então candidata democrata, Hillary Clinton, que teria usado um servidor privado - e não o do governo, quando era secretária de Estado - para troca de mensagens, colocando em risco a segurança das informações e, ato contínuo, da nação. O quanto esse fato novo foi determinante para fazer Hillary perder a Casa Branca é, até hoje, motivo de discórdia.
Nesta eleição de 2020, a primeira "surpresa de outubro" parecia ser a batalha no Senado pela confirmação da juíza Amy Barrett (conservadora), em uma estratégia do presidente Donald Trump que pode ser determinante para mudar os rumos da eleição, se o resultado do pleito for parar na máxima instância jurídica americana.
Mas outubro de 2020 não se revelaria o mês de apenas uma surpresa. Seriam várias.
A segunda foi a notícia de que o presidente havia sido diagnosticado com covid-19, episódio que alterou as estratégias de campanha republicana e democrata, colocou o país (e a economia mundial) em suspense e trouxe de volta a pandemia para o centro das discussões.
Agora, a nova "surpresa de outubro" envolve os gigantes Facebook e Twitter, acusados de censura pela campanha republicana, e a inclusão de um ator externo, a Ucrânia, na eleição - em 2016, era a Rússia.
Na quarta-feira (13), o jornal sensacionalista New York Post, integrante do império Rupert Murdoch, o mesmo dono da Fox News, publicou supostas provas de que o filho do democrata Joe Biden, Hunter, teria usado sua influência para apresentar um executivo ucraniano a seu pai. A ideia era provar que Hunter usa a influência do pai, ex-vice-presidente, para alavancar seus negócios no país europeu - em especial, para favorecer a empresa de setor de energia, Burisma, onde trabalhou.
Os bastidores da reportagem traz algumas inconsistências, segundo The New York Times. A informação teria vindo à tona a partir de um notebook entregue a uma loja de assistência técnica em Delaware, no ano passado, por um cliente não identificado e que trazia no exterior um adesivo da Fundação Beau, o outro filho de Biden, morto em 2015. O dono da loja teria feito cópias de arquivos e os entregue a Robert Costello, advogado do republicano Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York e próximo a Trump.
Quando a reportagem estava viralizando - compartilhada aos milhares pela campanha de Trump e seguidores, o Facebook e o Twitter decidiram restringir o alcance em suas plataformas, alegando que o texto continha elementos que mostravam se tratar de um ato deliberado de desinformação e possível violação de privacidade.
- A história precisa ser confirmada pelos checadores de fatos parceiros do Facebook - disse o chefe de políticas de comunicação da empresa, Andy Stone.
A campanha de Trump chamou de censura. O próprio jornal New York Post qualificou, em editorial, que "a imagem de neutralidade do Facebook acabou" e que a companhia do Vale do Silício teria entrada em campanha pró-Biden.
Menos de 24 horas depois, a conta oficial da campanha de Trump à reeleição foi suspensa no Twitter após publicar um vídeo de Hunter ligado à história apresentada pelo Post. A empresa considerou as imagens uma violação a suas regras.
Em reportagem sobre o caso, The New York Times levanta suspeitas sobre a veracidade dos emails apresentados na matéria do Post.
O que chama a atenção, desta vez, é que as medidas adotadas por Facebook e Twitter foram tomadas antes de qualquer verificação independente, que comprovasse que a reportagem continha informações falsas ou imprecisas - eis aí a suspeita de que, não apenas, teria sido um ato de censura, mas de censura prévia, o que, mais uma vez, põe em dúvida as práticas das plataformas.
Não é a primeira vez que as redes sociais se tornam atores centrais na eleição - com atitudes suspeitas. Só se soube depois do pleito, mas, em 2016, informações de mais de 50 milhões de usuários do Facebook foram utilizadas sem o consentimento delas pela empresa de análise de dados Cambridge Analytica para fazer propaganda política. A empresa, à época, era presidida por Steve Bannon, então principal assessor de Trump e guru da alt-right, a direita alternativa americana (extrema direita). Não por acaso, Bannon aparece de novo na história de 2020. Ele teria sido a pessoa que alertou o New York Post sobre a existência dos arquivos do suposto notebook deixado na loja de Delaware.