Alberto Fernández está há sete meses como presidente da Argentina e, até esta quinta-feira (2), nunca houve um encontro com o brasileiro Jair Bolsonaro, chefe da maior nação da América do Sul e principal parceiro econômico e estratégico do Brasil na região. Só isso já dá o tom de como andam tensas as relações entre os vizinhos.
Mas há mais: as rusgas entre os dois remontam à campanha presidencial brasileira, quando Bolsonaro, em visita ao Rio Grande do Sul, disse que, se a chapa Fernández e Cristina Kirchner vencesse no país vizinho, o Estado poderia se tornar um novo Amapá - em referência à crise na Venezuela comandada por Nicolás Maduro. Houve uma tentativa de aproximação, costurada pelos chanceleres Felipe Solá e Ernesto Araújo, antes da cerimônia de posse de Luis Lacalle Pou, que permitira um encontro entre Bolsonaro e Fernández em Montevidéu, mas o argentino acabou cancelando a viagem devido ao início do ano legislativo no país.
De lá pra cá, o clima só piorou. Fernández participou de videoconferências do Grupo de Puebla, que reúne políticos de esquerda, entre eles a ex-presidente Dilma Rousseff e tem servido de ponto de contato internacional para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As conversas entre Lula e Fernández também são frequentes.
Em meio à pandemia, quando a política externa brasileira ainda comemorava os louros do acordo entre Mercosul e União Europeia (UE), a Argentina deu um banho de água fria no bloco, anunciando que não irá mais negociar acordos de livre comércio com os parceiros. Fontes no Itamaraty avaliaram como um sinal de que o governo Fernández não é confiável -ou, no mínimo, tem uma visão divergente, de imobilismo e atraso. O Brasil, ao lado de Paraguai e Uruguai, quer acelerar negócios, não só com Europa, mas também com Coreia do Sul, Vietnã, Indonésia, Índia, países da América Central e Caribe. A Argentina puxou o freio de mão. O grau de abertura que os vizinhos desejam é considerado perigoso para o país imerso no atoleiro econômico.
Esse é o clima que deve marcar daqui a pouco o primeiro encontro de chefes de Estado virtual do Mercosul. Será, em razão da pandemia, também a primeira oportunidade de Fernández e Bolsonaro ficarem olho no olho - mediados pela tecnologia. Duas visões de mundo e projetos de integração difíceis de conviverem em harmonia estarão sobre a mesa.
Além disso, há toda a preocupação com relação ao futuro do acordo UE-Mercosul, uma vez que, para entrar em operação, o tratado acertado no ano passado precisa ser aprovado ainda pelos parlamentos nacionais das 27 nações do bloco europeu, antes de ir a votação no parlamento supranacional. Há moções de censura em pelo menos dois países - Holanda e Áustria - e objeções explícitas de alguns líderes, entre eles o presidente Emmanuel Macron, que, na terça-feira (30) reafirmou que não assinará nenhum tratado com países que não respeitarem o Acordo de Paris.
Para completar o caldo de complicações no Mercosul, o ministro das Relações Exteriores do Uruguai, Ernesto Talvi, decidiu renunciar na quarta-feira (1), em plena cúpula (a reunião dos chefes de Estado ocorre nesta quinta, mas, entre os assessores, diplomatas e chanceleres, elá já ocorre desde segunda-feira). Talvi, do Partido Colorado, tem divergências com Lacalle Pou (do Partido Nacional, blanco). Mesmo para o tranquilo Uruguai foi um baque, ainda mais às vésperas de o país receber, do Paraguai, a presidência pró tempore do bloco.