Com empurrão do coronavírus, uma ditadura está em gestação nas entranhas da Europa.
A desculpa foi o avanço da pandemia. Aproveitando-se do medo da população, o primeiro-ministro Viktor Orbán, aliado do presidente Jair Bolsonaro, deu um golpe na já frágil democracia húngara na segunda-feira, 30 de março de 2020, o dia em que, para muitos, a liberdade política começou a morrer na nação do Leste Europeu. Para lidar com a doença, não serão necessários corpos técnicos, médicos, Orbán vai decidir tudo sozinho e governar por decreto por tempo indeterminado.
Adquirir superpoderes é uma forma que governantes lançam mão em tempos de pandemia para realizarem seu projeto autoritário - as Filipinas, do presidente Rodrigo Duterte, conhecido por atropelas as liberdades de imprensa e expressão, não é diferente. Há algumas semanas, ele determinou estado de calamidade pública por seis meses, como forma de ampliar seus poderes. Organizações de defesa dos direitos humanos denunciam que pessoas que violam as regras da quarentena são punidas com violência policial.
No caso da Hungria, a “lei do coronavírus” servirá para Orbán suspender sessões parlamentares e eleições. Estabelece a fórceps uma quarentena no país - quem desrespeitá-la não será punido com multa como em outros países da União Europeia (UE). Será prisão de oito anos. Para quem distribuir notícias falsas, a detenção será de cinco anos. O problema é quem decide o que é fake news. Sabe-se que governantes ao estilo de Orbán, que emulam Donald Trump, utilizam-se do termo para perseguir jornalistas. Nesse sentido, fake news não necessariamente são informações mentirosas, mas sim aquelas que desagradam a seus governos ou que, verdadeiras, vão de encontro a seus interesses.
A Hungria é hoje o país menos democrático da UE, bloco ao qual não está totalmente integrada justamente pelas restrições democráticas. Segundo o ranking da Freedom House, entidade internacional que fiscaliza a liberdade no mundo, o país é considerado parcialmente livre - com 70 pontos no score da instituição - o Brasil, considerado livre, por exemplo, tem scoree 75. Quanto mais alta a nota, mais livre (Noruega, por exemplo, tem score 100).
Os superpoderes foram concedidos a Orbán por um parlamento que está na mão do governo, por meio do partido Fidesz, com ampla maioria no Legislativo. Com o Judiciário, não é diferente: o presidente criou um poder paralelo para julgar casos ligados à administração pública sob o argumento de combater a corrupção. Ao dominar os demais poderes, entretanto, o chefe do executivo elimina os pesos e contrapesos do sistema democrático. Orbán completa, com a lei da pandemia, sua obra de destruir por dentro a democracia húngara. O coronavírus é só a desculpa.