Emmanuel Macron nunca escondeu sua intenção de se tornar líder da Europa liberal. Ao tomar a frente das críticas ao governo de Jair Bolsonaro, o presidente francês age por pressões internas e externas.
No campo doméstico, está preocupado com popularidade em queda em grande parte devido aos protestos dos Coletes Amarelos, que desgastaram o governo. Vale lembrar: o movimento foi para a rua em outubro de 2018 tendo como motivação principal a revolta contra o aumento dos preços dos combustíveis em razão do repasse dos custos da política ambiental de Macron. Ele incluiu taxa sobre a emissão de carbono no imposto de consumo sobre os produtos energéticos.
Obrigatório por lei em todos os veículos da França, o colete amarelo se transformou em símbolo do protesto. Mas, como no Brasil de 2013 a revolta não era só por 20 centavos, a indignação dos manifestantes franceses não se explica apenas pelo preço dos combustíveis. A revolta amalgamou o descontentamento crescente da classe média com custo de vida, a redução do poder de compra e com as reformas fiscais e sociais que atingem diretamente o bolso dos trabalhadores.
Macron viu na não política ambiental de Bolsonaro uma fresta para minar o acordo Mercosul-União Europeia (UE) e, por tabela, agradar ao setor agrícola francês. Não é de hoje que a França é um dos países mais reticentes ao acordo porque teme os efeitos para o agronegócio, que seria afetado pela entrada de produtos sul-americanos no mercado, sobretudo açúcar e carne bovina. Aliás, foi junto aos agricultores que Macron buscou apoio no auge da crise com os coletes amarelos, quando sua popularidade baixou para 27%, em dezembro. Uma conversa com o setor agrícola na época o ajudou a recuperar parte do apoio perdido. A agricultura representa menos de 5% da economia francesa, mas a atividade ocupa quase metade da superfície territorial.
Também é importante lembrar que Macron tem planos de se reeleger em 2022. E só conseguirá permanecer no Palácio do Eliseu se tiver a seu lado os verdes (que mostraram potência nas recentes eleições para o parlamento europeu e já são a terceira força política do país) e os ruralistas, que ameaçam cair nas graças da extrema-direita representada por Marine Le Pen.
Esse é um dos lados que explicam o voluntarismo de Macron. Há outro, embasado pela geopolítica.
A Europa está fragilizada por diferentes tensões e sentada no divã refletindo sobre sua identidade em meio ao Brexit. A saída do Reino Unido da União Europeia, prevista para 31 de outubro, abre uma série de dúvidas existenciais sobre o futuro. Afinal, o sonho imaginado de um continente unido a partir das cinzas da II Guerra virou um pesadelo. O cenário depois do divórcio é sombrio, com Itália já falando em seguir os passos dos britânicos.
Junte-se a isso o crescimento de forças de extrema-direita, por natureza eurocéticas, em parlamentos nacionais e europeu, e a influência crescente dos Estados Unidos de Donald Trump sobre o continente, com aliados a Oeste, como Boris Johnson (no Reino Unido), e a Leste, com a trinca ultranacionalista na Polônia (do Partido Lei e Justiça, de Jaroslaw Kaczynski), Hungria (Victor Orbán) e Itália (Matteo Salvini).
A França sempre foi a potência política motriz da UE, enquanto a Alemanha sua locomotiva econômica. Com a anunciada saída de cena da chanceler Angela Merkel, que não irá concorrer à reeleição em 2021, Macron assume para si o posto de grande defensor da democracia liberal em oposição ao crescimento das forças conservadoras nacionalistas e populistas internas no continente (ou iliberais, como se autointitulou Orbán) e externas ao bloco (como Putin, que lidera um governo autoritário e estende influência nas bordas da UE).
Observando o tabuleiro de xadrez global, Macron vê a Europa espremida entre os Estados Unidos e a crescente retomada de influência da Rússia, de Vladimir Putin. Nesse cenário, não é de se estranhar que tenha se autoproclamado salvador tardio de um continente que ameaça se esfacelar.