Fronteiras físicas são insuficientes para barrar o avanço do tráfico de drogas e armas. Grupos criminosos agem em rede. Por isso, o combate a crimes transnacionais exigem estratégias que não se limitam a barreiras tradicionais, portos ou aeroportos.
Com o objetivo de sugerir táticas de monitoramento em fronteiras cada vez mais porosas, reais e virtuais, instrutores americanos, a maioria veteranos de agências federais especializadas em antiterrorismo, estão no Rio Grande do Sul para ministrar o curso “Brazil Border Control Management”. A iniciativa é do Departamento de Estado dos Estados Unidos, em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).
O treinamento, que ocorre na sede da Secretaria Estadual de Segurança Pública, em Porto Alegre, até o dia 14, é acompanhado por agentes de polícias civis e militares de 11 Estados fronteiriços com 10 países sul-americanos.
O curso foi aberto pelo adido de Segurança Regional da Missão Diplomática dos EUA no Brasil, Jason Smith. O funcionário, com experiências em países do Oriente Médio, como o Iraque, é chefe da segurança de todos os consulados e da embaixada americana em Brasília. Nesta segunda-feira (3/12), após a abertura do evento, Smith conversou com a coluna.
Como combater o tráfico de drogas e armas se as fronteiras são cada vez mais porosas?
Temos de abordar estratégias em rede. Todo mundo trabalha e vive em rede, de uma forma ou outra, geralmente eletrônica. A atividade ilícita também segue essa nova linha de comunicação e comportamento. Agentes devem atacar redes. As atividades ilícitas, no final das contas, apoiam atos de terrorismo. Atos de terrorismo aproveitam-se de atividades ilícitas para acontecer. Crimes ligados ao narcotráfico ocorrem por meio de atividades ilícitas. Quanto mais você focar recursos na estratégia de identificar redes ilícitas mais fácil será decidir como atacá-las.
A rota do tráfico é conhecida das autoridades brasileiras. Por que, na sua opinião, não se combate com eficiência?
Quando tento analisar os componentes desses crimes no Brasil, todos apontam para um vértice comum: a fronteira aberta. A facilidade, o movimento de dinheiro, armas e drogas exploram, em uma primeira instância, a fronteira aberta. Depois, vai se inserindo na sociedade. É um fator comum. Ao identificar as redes ilícitas e os meios pelos quais se aproveitam, verá que há fronteiras virtuais e fronteiras literais. Há atividade virtual, acontecendo no ciberespaço. Em certo momento, isso se acumula e explora um ponto fraco, que é a fronteira física.
Um problema brasileiro é a falta de integração das polícias. O que poderia ser aplicado no Brasil a partir das experiências de conexão entre as agências de segurança?
Estaria mentindo se falasse que a integração é automática e fácil. Até hoje (nos EUA), não é. Uma grande diferença é que sofremos vários ataques terroristas. Houve muitas mortes para que nosso governo fizesse algum mudança. Infelizmente. Até hoje, anos depois do 11 de Setembro, que causou a reestruturação da burocracia administrativa americana, temos problemas de coordenação. É um trabalho contínuo.
Que sugestões o senhor poderia dar ao Brasil?
Minha observação, como estrangeiro, é que autoridades federais, estaduais e locais têm capacidades impressionantes no sentido tecnológico e tático. Não há falta de experiência e capacidade. A integração é desafio mundial. Não há soluções fáceis. Depois de alguns anos observando, percebo a capacidade (das forças brasileiras) de atuar em nível muito sofisticado contra essas ameaças. Acho que o Brasil vai seguir as mesmas lições.
A presença de células extremistas, como do Hezbollah, na região da Tríplice Fronteira continua sendo ponto de preocupação para os EUA?
Continua. A nossa preocupação com extremismo é mundial. Não há espaço imune diante da ameaça do terrorismo. Conhecemos a trajetória daquela região e não ignoramos os fatos. Agora, o governo brasileiro tem suas próprias posições e estratégias. Nossa posição em relação ao assunto é focar mais em combater atividade ilícita. E isso resolve a questão. Conhecemos a ameaça do Hezbollah, mas, como agentes federais americanos, não vamos abordar o aspecto político da questão. Nosso enfoque é ajudar as autoridades pelo mundo a combater a atividade ilícita. Se o enfoque é combater crime, terrorismo cabe dentro desse contexto. O problema vai ser enfrentado dessa maneira, sem politizar o assunto. Contrabando é uma fonte de renda mundialmente conhecida. E são, em essência, crimes.
Os EUA são o principal mercado consumidor da droga produzida na América Latina. Que outras abordagens são necessárias, já que parece insuficiente tratar o tema apenas a partir da segurança?
(São importantes) Programas que tratam o uso, prevenção e educação. A solução tem de ser integral, ampla. E até no lado jurídico. Não há ferramenta padrão para resolver o problema. Desde o 11 de Setembro, talvez o assunto seja menos visível, mas (a questão das drogas) estava sempre atacando nossa sociedade, causando danos.
No Rio Grande do Sul, há várias áreas de fronteira seca, com campos. Qual a técnica para o combate a drogas, armas e abigeato nesses casos?
Vejo muitos agentes no nível federal e unidades de polícias estaduais altamente capacitadas a monitorar e integrar operações. (É importante) o monitoramento aéreo para priorizar áreas onde o Estado deve atuar. O país é muito grande. Você vai ter desmatamento acontecendo por todos os lados. Mas há capacidade brasileira de monitorar e identificar tendências. Tenho visto o governo federal estendendo essa inteligência para unidades no campo. Há quatro unidades estaduais com missão especial entre os 11 Estados com fronteiras com outros 10 países. Os EUA fizeram dois programas, há três meses, de táticas de patrulhamento em áreas rurais, que incluíram análise sobre a região. Quatro semanas intensivas de instrução: 60% no campo, 40% na sala de aula. Doamos 18 mil quilos de equipamentos para facilitar o trabalho dessas unidades, tudo através da Senasp. Acreditamos que trabalhando em parceria temos bastante para oferecer no contexto material e institucional.
Como ocorre o apoio da embaixada e dos consulados às polícias no Brasil?
Ensinamos navegação moderna, através da tecnologia, operações de pequenas unidades no campo, abordagem de alvos de alto risco, medicina tática para ajudar oficiais que estão mais distantes da capital em caso de ferimento grave. Seguindo alvos na floresta, rastreamento. Esse curso tinha um componente muito forte de rastreamento em fronteira seca. Contratamos antigos formadores da escola americana de fronteiras para ministrar o curso, aproveitando suas experiências na luta contra o narcotráfico e tráfico de seres humanos. Esses instrutores ficaram aqui por quatro semanas seguindo diretrizes da Senasp. Desde o Mato Grosso até a região de Foz do Iguaçu.
Quais pontos são mais sensíveis na fronteira, a Floresta Amazônica ou áreas como a Tríplice Fronteira?
Território selvagem demais criminoso não gosta. (É necessário) Infraestrutura básica. Nem sempre é no meio da selva. Às vezes, pessoas exploram e aproveitam cidades fronteiriças. Não são lugares altamente perigosos, mas (os criminosos) precisam de boa infraestrutura para cometer crimes. O desafio é o número de efetivo e os recursos nos Estados. Às vezes, o lugar em si não é problemático, mas o efetivo para tratar o problema é maior ou menor. Você tem de priorizar as áreas baseando-se na inteligência. Hoje em dia, é fácil colaborar entre países e polícias. Mas é um desafio (ter) boa inteligência para priorizar áreas das operações.