A morte do jornalista Jamal Khashoggi e as suspeitas que recaem sobre o alto comando do reino da Arábia Saudita – em especial sobre o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman – trouxeram à tona relações nem sempre claras dos Estados Unidos com aquela que é uma das mais cruéis ditaduras do Oriente Médio.
A Arábia Saudita é chave para os interesses americanos na região: para frear a influência do Irã xiita, mas principalmente como mercado promissor para as empresas de tecnologia do Vale do Silício e o setor armamentista.
A seguir, cinco pontos pouco comentados sobre a relação entre os dois países – o que explica o fato de Donald Trump falar leve com o príncipe no escândalo do assassinato do colaborador do The Washington Post.
1 Namoro com os bilionários do Vale do Silício
Entre março e abril deste ano, Mohammed bin Salman, o MBS, como é conhecido no reino, visitou os campi das principais empresas do Vale do Silício, nos EUA, e posou ao lado de papas da tecnologia, como Tim Cook, da Apple, Jeff Bezos, da Amazon, e Sundar Pichai, da Google. Em debate: futuras parcerias entre a Arábia Saudita e as companhias.
Há interesse das empresas em instalar centros de processamento de dados no país árabe. Pelo lado de MBS, atrair as empresas high tech vai ao encontro da estratégia de diversificar a economia saudita, dependente do petróleo. Recentemente, startups receberam financiamento da Arábia Saudita indiretamente, por meio do Vision Fund, da SoftBank. Em seu tour americano, MBS esteve também com Bill Gates, Mark Zuckerberg e Rupert Murdoch.
2 Contratos bilionários em material bélico
Um das primeiras investidas internacionais do presidente Donald Trump quando assumiu a Casa Branca, em 2017, foi um lucrativo tour pelo Oriente Médio, que incluiu encontros com o clã Saud, na Arábia Saudita. Ele voltou para Washington com as malas cheias de contratos – cerca de US$ 450 bilhões, desses US$ 110 bi “apenas” em vendas de armas encomendadas pelo reino. Boa parte desse negócio ainda não se concretizou. Trump já deixou claro que a morte do jornalista não irá influenciar a transação, embora haja pressões da oposição democrata e do próprio Partido Republicano para que ele cancele a venda.
A suspensão do negócio abriria o flanco para entrada de empresas russas e chinesas no mercado saudita, algo que não passa pela cabeça de Trump.
3 Amizades entre os Trump e o príncipe
MBS estabeleceu uma relação muito próxima com Jared Kushner, genro de Donald Trump e um dos articuladores do governo americano para o Oriente Médio. Eles têm a mesma faixa de idade – o príncipe 33 anos, o americano, 37.
A identificação foi percebida em vários jantares entre os dois. Kushner comprou a briga de MBS, quando o príncipe articulava politicamente para se tornar o herdeiro de seu pai. Judeu, o americano alimentou expectativas de que o príncipe aprovaria seu plano de paz para israelenses e palestinos. Mas a relação esfriou depois que a Arábia Saudita isolou o Catar – também parceiro americano na região. O príncipe chegou a afirmar que era favorável ao reconhecimento do Estado de Israel – algo incomum para um líder árabe. Mas o pai de MBS, o rei Salman, descartou apoio à proposta de Kushner para o Oriente Médio depois de Trump reconhecer Jerusalém como capital de Israel, decisão que irritou os palestinos. Outro constrangimento aos EUA são os bombardeios sauditas ao Iêmen.
4 Parceiro estratégico fundamental
A Arábia Saudita é central nos interesses americanos no Oriente Médio na luta contra o terrorismo e, principalmente, para neutralizar a influência do Irã xiita – e, por tabela, para bloquear a ampliação da Rússia – parceira dos aitaolás e aliada do governo de Bashar al-Assad na Síria. A doutrina Trump para o Oriente Médio tem na família Saud a espinha dorsal.
O príncipe Mohammed bin Salman é seu principal articulador. Essa aliança é vista com desconfiança nos próprios EUA: Osama bin Landen era saudita, assim como a maioria dos sequestradores dos voos do 11 de setembro de 2001.
5 Planos para expansão da gigante do petróleo
Líderes empresariais que MBS cortejava estão se distanciando. Altos executivos de JP Morgan Chase, Ford e Uber cancelaram participação no fórum de negócios que o príncipe promoveu em Riad. Christine Lagarde, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), também suspendeu a viagem.
O príncipe quer convencer o Ocidente a acolher a entrada nas bolsas de valores de 5% da gigante petroleira Saudi Arabian Oil Co., conhecida como Saudi Aramco. A oferta pública inicial das ações está prevista para o fim de 2020 e poderia gerar aportes de pelo menos US$ 100 bilhões para a Arábia Saudita. O reino é o maior exportador mundial de petróleo. Com os preços subindo em razão das sanções ao Irã, o papel dos sauditas como produtor dominante ganha mais importância.