Em 2003, em Buenos Aires, ouvi dos argentinos que elegeriam Néstor Kirchner que votariam no “menos pior”.
Em 2007, na Venezuela chavista, escutei dos caraquenhos que o país estava “rachado ao meio”. Polarização também era o termo no altiplano da Bolívia de Evo Morales e no auge da crise que levara o presidente deposto Manoel Zelaya a se refugiar dentro da embaixada brasileira em Tegucigalpa. Em 2016, todas essas expressões se reuniram na América profunda que escolheria Donald Trump.
É com misto de déjà vu e certo constrangimento que observo colegas jornalistas desembarcarem no Brasil para cobrir a eleição deste domingo e usarem essas expressões para explicar ao mundo o que está acontecendo aqui.
Em setembro, a BBC despachou para Porto Alegre Katy Watson, correspondente na América do Sul. A repórter chegou no auge da Semana Farroupilha (“Ragamuffin week”, para os britânicos), esteve na Estância da Harmonia e saiu com a convicção transformada em título da reportagem: “Jair Bolsonaro: o candidato que está dividindo amigos no Brasil”.
O barulho da extrema-direita não é novidade para a imprensa internacional. Pleito após pleito, a Europa observa o crescimento de partidos radicais que vêm conquistando espaço nos parlamentos (a Suécia é o caso mais recente) ou chegando ao segundo turno (a França de Marine Le Pen é o exemplo mais famoso). Tampouco são raros os arroubos nacionalistas. Brexit, a tentativa frustrada de independência da Catalunha e Trump estão aí para provar. A preocupação do mundo lá fora é com a saúde de nossa democracia. Dá certa vergonha saber, por exemplo, que estamos sendo vigiados por observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA). Algo comum até então a nações onde o processo eleitoral é colocado sob suspeita.