A pergunta é milenar: “Por que entramos em guerra?”. Mas se tornou pública ao ser feita por Albert Einstein a outra celebridade do século 20, Sigmund Freud, em 1932, com o mundo prestes a mergulhar em novo apocalipse: “Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra”? Questionou o cientista alemão em carta dirigida ao pai da Psicanálise.
Em busca da resposta, os pesquisadores Karl Schurster Sousa Leão e Francisco Carlos Teixeira da Silva embarcaram em uma viagem no tempo, por meio de textos clássicos que rememoram narrativas dos conflitos da Antiguidade Clássica, de séculos mais recentes e aventuraram em tentar decifrar os conflitos pós-modernos. O resultado está no livro “Por que a guerra”, recém-lançado pela Editora Civilização Brasileira.
Ao lado de outros pesquisadores, os autores buscam refletir sobre as modificações da natureza da guerra, a partir de ataques preventivos e até ditos “humanitários”. Karl, 34 anos, é professor do Programa de pós-Graduação em Educação da Universidade de Pernambuco (UPE) e colaborador do curso de Relações Internacionais da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina. Por telefone, ele conversou com a coluna.
O livro surge a partir do debate entre Freud e Einstein: “Por que a guerra?”. Vocês chegaram a uma conclusão?
Essa é uma das discussões mais difíceis. Temos uma conclusão bastante clara: a guerra acaba sendo uma manifestação de forma elevada de um conflito entre dois opostos. No final das contas, pode ser o namorado brigando com a namorada para ir ao cinema ou dois Estados ou dois não Estados lutando por determinada causa. A gente chegou à conclusão clássica de que a guerra é uma forma de convencer o inimigo das minhas razões.
Por que a guerra fascina tanto o ser humano?
A guerra é uma das narrativas mais antigas da história da humanidade. O Apocalipse, na Bíblia, é por excelência um livro guerreiro. Das escrituras sagradas até os textos mais antigos, como a “Epopeia de Gilgamesh” ou o grande tratado de Tucídides, ou a “Arte da Guerra”, de Sun Tzu, estamos falando de guerra. Em um dos textos bíblicos mais antigos, como Caim mata Abel? Utilizando a primeira arma que se tem registro na história da humanidade: a pedra. Um dos homens de neandertal mais antigos foi encontrado com uma estocada de lança no peito. Essa é uma narrativa que faz parte do nosso cotidiano. Guerra é uma palavra que utilizamos desde a política até questões banais, como na expressão futebolística, a ideia de que “o jogo foi uma batalha”. Faz parte do imaginário da sociedade civil. Utilizamos a expressão guerra para quase tudo.
A paz é impossível?
Freud disse certa vez que o oposto da guerra não é a paz. É o amor. Ele dizia que a guerra seria menos possível quanto mais espaço para eros dermos na sociedade. Yuval Harari, da Universidade Hebraica de Jerusalém, ele insiste no mesmo erro de pensar que as guerras hoje são menos relevantes do que no passado porque matam muito menos pessoas. Vindo de um cidadão israelense é estranho. Agora, você não pode elevar a guerra a proporções como no passado. Se chegamos a este estágio civilizacional e ainda estivermos matando a quantidade de pessoas que matávamos no passado, talvez nem tivéssemos mais civilização. Agente não pode matar no nível industrial da I e II Guerra Mundial, tampouco podemos viver sob a constante ameaça do que foi a Guerra Fria. Diplomacia é política, e política é guerra. A disputa central é sempre pelo desequilíbrio da balança do poder. Não dá para esquecer do grande Carl von Clausewitz quando ele diz que a guerra pode ser feita para se alcançar um objetivo desejado a um preço calculado. Do ponto de vista prático, várias guerras são assim. A gente costuma dizer que é na guerra que se prepara a paz e é na paz que se prepara a guerra.
Como vocês imaginam os conflitos no futuro?
Há uma tese clássica das Relações Internacionais contemporânea que fala que o futuro da guerra é ela efetivamente ser travada pelos humanos. A última guerra que tivemos com uma inserção real de batalhões foi a Guerra do Kosovo. As outras foram muito mais travadas por mecanismos tecnológicos. Fica a pergunta: até que ponto a tecnologia vai substituir a guerra? A questão é que para se vencer uma guerra é preciso território conquistado. Na era da hiperinformação, você precisa ganhar inclusive a opinião pública. É um dos fatores fundamentais decisórios na arte de fazer guerra contemporânea. Por mais que se volta ao Vietnã, à Guerra da Crimeia, ou mesmo na I Guerra Mundial, onde a opinião pública já teve importância, hoje ela é condição sine qua non. Guerra só se faz e só se vence com território conquistado. A metáfora é muito parecida com o homem na Lua. Enquanto a URSS foi lá fora e disse que a Lua era assim e a Terra era assim, os norte-americanos foram, 10 anos depois, colocaram a bandeira e disseram: “Olha, ela pode ser tudo isso, mas ela é minha. O território está conquistado”. Não acredito na tese de que a guerra faz parte da natureza moral do indivíduo, ela é um grande jogo da expressão da política. Uma forma de fazer a política por outros meios. Adoro Pink Floyd, mas eles cometeram um erro: a guerra não é um lapso momentâneo da razão. É a razão levada a seus extremos.
Que curiosidades vocês contam no livro?
Na leitura que fizemos do Alcorão, no texto sobre a guerra em nome de Deus, usamos várias versões diferentes. Outra coisa interessante foi a leitura de outros livros sagrados, especialmente quando envolve budismo e pacifismo, que nascem juntos com a própria guerra. Também passamos a entender o Sermão da Montanha, de Jesus Cristo, como quebra da hierarquia e o quanto ele representaria um perigo para o Estado e para a soberania. Eu falei: “Caramba, não tenho religião, mas nunca prestei atenção nisso”. Pensei: “Esse texto é muito mais perigoso do que a gente imagina”. Não só por uma questão religiosa, mas porque envolve a questão da soberania. A gente sempre teve na cabeça que a onda de pacifismo surgiu na Guerra da Crimeia, por conta de a fotografia de guerra ter surgido lá, só que quanto mais para trás a gente foi, mais começou a encontrar outras ondas de movimentos pacifistas.