Presidente emérito do think thank de análise política Inter-American Dialogue, de Washington, Peter Hakim estuda a América Latina há mais de três décadas. É provavelmente um dos professores americanos que mais conhece a conjuntura política brasileira. Ex-professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e da Columbia University, costuma publicar artigos em revistas influentes como Foreign Affairs e Foreign Policy e em jornais como The New York Times, The Washington Post, Miami Herald e Los Angeles Times. Nesta entrevista, por telefone à coluna, ele avalia o impacto da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre, na esquerda latino-americana. Leia os principais trechos:
Como o senhor avalia o atual momento da esquerda na América Latina?
Primeiro, é preciso definir o que se quer dizer com esquerda na América Latina. Há varias esquerdas, não está unificada e isso é uma tendência. No Chile, a centro-esquerda está dividida em três. No México, Andrés Manuel López Obrador teve de formar um novo partido porque o PRD (Partido de la Revolución Democrática) se dividiu também. O PRD, de esquerda, talvez se una com a direita para a eleição. Em outros países, a esquerda jamais será unida. Na Colômbia, por exemplo, há quatro ou cinco candidatos que estão competindo pela esquerda e centro-esquerda. No Peru, a esquerda quase não existe. E o peronismo na Argentina? É de esquerda ou de direita? Ninguém sabe. O Uruguai tem uma certa tradição de uma esquerda mais ou menos moderada, branda. É um país com um ambiente mais estável do que na maioria das nações da América Latina.
Qual o impacto da condenação de Lula para a esquerda no continente?
A derrota no caso da Lava-Jato não vai afetar muito a esquerda. O que poderia impactar seria se Lula ganhasse. Isso daria mais vida à esquerda na América Latina. Ele é pouco respeitado agora. Lenín Moreno (presidente do Equador) é o único líder que realmente tem grande respeito por sua governança. Talvez um pouco ainda Evo Morales (presidente da Bolívia). E, obviamente, a esquerda no Uruguai, que já tem um certo status e respeito. Mas, em geral, está bastante abalada. Acho que a esquerda precisa reagir.
Lula segue sendo um líder reconhecido e admirado pela esquerda em outros países ou as acusações desgastaram essa imagem?
Lula está muito diminuído. Isso ocorre um pouco porque a esquerda internacional foi diminuída e em parte devido ao cenário de corrupção no Brasil, a corrupção do PT e ao impeachment de Dilma Rousseff. Não acho que Lula tenha o magnetismo nem o status, a estatura, que tinha até 2015. Mas nenhum presidente mantém sua aura quando deixa o poder. Ronald Reagan (presidente americano entre 1981 e 1989) foi um grande líder, mas, quando deixou a presidência, terminou a sensação de que era poderoso. Lula é muito menos relevante hoje. Acho que o Brasil e suas cortes, os poderes, devem encontrar um caminho para deixá-lo concorrer. Digo isso para que não seja negada a possibilidade de o povo brasileiro participar na renovação institucional e política do Brasil. Se tudo for feito pelos tribunais e pelo Congresso, a situação pode ficar mais polarizada, criar mais desconfiança nas instituições e na própria democracia. O Brasil está passando por sua pior crise de governança, de política, e institucional desde 1985. Excluir a participação do povo seria mais crítico nesse momento. A Grã-Bretanha teve seu plebiscito pelo Brexit. A Colômbia fez plebiscito sobre o acordo de paz com as Farc. Deixar o povo participar das grandes decisões não é uma má ideia.
Quem é hoje o grande líder da esquerda ou da centro-esquerda na América Latina. Evo Morales?
Depende da eleição no México. López Obrador pode ser esse nome. José Mujica (ex-presidente uruguaio) podia ser, mas está um pouco velho para ser o herói. Nicolás Maduro (presidente venezuelano), seguramente, não é. Lenín Moreno tem grande apoio no Equador, mas não tem carisma ou magnetismo fora do país. Evo Morales ou Daniel Ortega (presidente da Nicarágua) não têm a estatura que Lula tinha. A imagem de Lula foi desgastada pela corrupção, mas era uma pessoa forte, um líder com magnetismo, talvez comparável a Justin Trudeau (primeiro-ministro canadense). Tinha capacidade de negociação e comunicação.