Requintes só agora conhecidos tornam o massacre das Ramblas diferente dos outros sete atropelamentos de origem extremista que ocorreram em cidades europeias no período de um ano. Ao contrário da ação de lobos solitários identificados com a causa do grupo Estado Islâmico, o ataque em Barcelona não foi uma ação individual, mas fruto de um planejamento de meses, embora seu efeito não tenha sido, aparentemente, o que os terroristas desejavam.
Chama a atenção a complexidade logística da ação, que envolveu pelo menos quatro cidades: além de Barcelona, Ripoll, Alcanar e Cambrils. Não se sabe exatamente o que os terroristas queriam fazer, mas, certamente não se restringia a atropelar pessoas nas Ramblas. Era algo ainda mais devastador.
Estamos diante do primeiro ataque milimetricamente organizado na Europa desde os atentados em Paris, em novembro de 2015, quando ações simultâneas no Stade de France, no Bataclán e em restaurantes da capital francesa mostraram uma orquestração impressionante. O que aconteceria na Espanha, de fato, ainda não se sabe, mas envolveria grande número de soldados e meses de planejamento, com a ocupação de uma casa em Alcanar, que servia de base logística, e a inspiração de um líder maior, o imã Abdelbaki Es Satty, suposto doutrinador da célula extremista da Catalunha.
Algumas pistas: de forma misteriosa, Abdelbaki, imã de Ripoll, vilarejo de 10 mil habitantes, sumiu da localidade no início de junho. Não é mera coincidência o fato de membros da célula, alguns deles mortos pela polícia na ação de quinta-feira, terem ocupado o chalé em Alcanar próximo a essa data. Na casa, os terroristas armazenavam botijões de gás e explosivos como o triperóxido de triacetona (TATP), descrito em sites jihadistas como "mãe de Satã".
É aí que o plano começou a dar errado. A casa foi pelos ares na quarta-feira. Provavelmente, algum acidente. O tiro saiu pela culatra. Sem seu líder inspirador (cujo corpo teria sido encontrado no local) e abalados com a perda do material explosivo, de sua base e de meses de planejamento para algo maior, os seguidores de Abdelbaki, entre eles o motorista da van, Younes Abouyaaqoub, iniciaram sua jornada de atropelamentos em Barcelona e Cambrils.
A complexidade da trama e o número de envolvidos deslocam as atenções da até agora conhecida rota do terror europeu – entre Bruxelas e Paris – para a Catalunha. A Bélgica era, até então, o maior entreposto do terrorismo que aflige a Europa. Dali saíram alguns dos principais extremistas conhecidos, como dos ataques de Madri, em 2004, da Charlie Hebdo e do Bataclán. Conforme o jornal El País, o imã Abdelbaki disse a vizinhos de Ripoll que pretendia se mudar para a Bélgica. É aí que se estabelece a conexão Barcelona-Paris-Bruxelas.