Durante anos escrevemos que uma coisa é ter a bomba atômica, outra é dispor de conhecimento e capacidade técnica para lancá-la.
Isso se aplicava ao Irã dos aiatolás e aos arroubos belicistas de Kim Jong-un. A grosso modo: produzir uma explosão atômica é razoavelmente simples. Difícil é comprimir a tecnologia para colocá-la em um míssil.
A Coreia do Norte e o Irã passaram anos chantegeando o Ocidente com bravatas nucleares. O governo da dinastia Kim (primeiro o pai, Kim Jong-il, depois o filho, Kim Jong-un), por exemplo, passou os últimos 10 anos testando mísseis e fazendo explosões atômicas sem nunca ameaçar realmente outros países.
Convenhamos, o fato de Irã e Coreia do Norte disporem da tecnologia atômica, mas não conseguirem lançá-la garantia uma certa tranquilidade ao mundo.
Pois bem, essa tranqüilidade, aparentemente, se foi. Se o relatório elaborado no mês passado pela Defense Intelligence Agency (Agência de Inteligência da Defesa) dos Estados Unidos estiver correto, a Coreia do Norte teria conseguido miniaturizar o suficiente uma bomba nuclear para colocá-la em um de seus mísseis intercontinentais - que, como se sabe, podem atingir o Alasca, Los Angeles, em tese, mas, algo bem mais concreto, chegam com certeza a Coreia do Sul e o Japão.
O desenvolvimento dessa tecnologia, a se confirmar, marca um importante ponto de inflexão no balanço geopolítico planetário: enfim, a Coreia do Norte teria entrado para o grupo restrito de potências nucleares, ao lado de EUA, Rússia, França, Reino Unido, China, Paquistão, Índia e Israel (ainda que Israel não admita oficialmente seu arsenal atômico). A reportagem do The Washington Post, assinada pelos jornalistas Joby Warrick, Ellen Nakashima e Anna Fifield, provavelmente um dos principais furos jornalísticos de 2017, vai além: afirma que um documento da inteligência americana garantiria que o regime norte-coreano teria mais de 60 bombas nucleares.
Ao ser questionado sobre a ameaça, durante suas férias de meio de ano no Trump National Golf Club em Bedminster, New Jersey, o presidente Donald Trump reagiu com a retórica de caubói:
- É melhor a Coreia do Norte não fazer mais ameaças aos Estados Unidos. Eles enfrentarão fogo e fúria como o mundo nunca viu.
As palavras 'fire and fury', em inglês, têm poder e efeito para se tornarem manchete em segundos. E se tornaram, como se pode ver nos principais jornais internacionais. Lembram nomes de operações do governo George W. Bush no Afeganistão pós-11 de Setembro, Enduring Freedom (Liberdade Duradoura), e a invasão do Iraque, para desbancar Saddam Hussein do poder, Shock and Awe ( Choque e Pavor) .
Tudo o que o mundo não precisa é de frases de efeito e retórica belicista neste momento. Por anos, os EUA e a comunidade internacional desdenharam os arroubos do clã Kim. Talvez seja hora de começar a levá-lo a sério.