Depois de anos de afastamento, os exércitos dos Estados Unidos e do Brasil realizam uma série de ações que indicam uma reaproximação nas áreas de defesa e na luta contra o narcotráfico. A medida mais visível dessa intensificação das relações será uma operação conjunta entre tropas americanas e brasileiras em novembro na Amazônia, região sensível aos interesses nacionais e cuja presença estrangeira provoca discórdia até entre os próprios militares.
Como parte do exercício, será instalada, entre os dias 6 e 13 de novembro, uma base multinacional na Tríplice Fronteira, entre Tabatinga (Amazonas, Brasil), Letícia (Colômbia) e Santa Rosa (Peru), que abrigará munição, equipamento de disparos e de comunicação. A operação está em fase de planejamento, e não está definido o número de militares de EUA e Brasil que participarão do exercício, que envolverá ainda tropas de Peru e Colômbia.
A participação americana é uma resposta a um convite do Brasil, que testemunhou como observador um exercício semelhante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na Hungria, em 2015. No Leste Europeu, a base multinacional, que seria temporária, acabou se tornando permanente. O Brasil nega que o mesmo possa acontecer na Amazônia.
Questionado pela coluna, o Comando do Exército esclareceu que o exercício, denominado AmazonLog 2017, tem, entre outras metas, "aumentar a capacidade de pronta resposta multinacional, sobretudo nos campos da logística humanitária e apoio ao enfrentamento de ilícitos transnacionais". Leia-se, combate a drogas e entrada de armas ilegalmente. A guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) está em processo de desarmamento, após décadas de guerra civil – a fronteira, que, por anos, foi usada como rota para transporte de drogas, poderia servir de esconderijo para o arsenal. Junto com a Tríplice Fronteira Sul, entre Foz do Iguaçu, Ciudad del Este (Paraguai) e Puerto Iguazú (Argentina), a região de Tabatinga preocupa há anos as autoridades brasileiras por ser entreposto do narcotráfico. No comunicado, o Exército explicou que, além de militares, participarão da manobra Polícia Federal, Receita Federal, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entre outros órgãos civis.
A presença de tropas americanas na Amazônia é polêmica, mexe com os brios dos nacionalistas e provoca revolta entre oficiais da reserva: "Convidar as forças armadas dos EUA para fazer exercícios conjuntos com nossas Forças Armadas, na Amazônia como crime de lesa-pátria. Ensinar o inimigo como nos combater na selva amazônica é alta traição", diz uma mensagem que circula entre militares.
Para Nelson Düring, especialista em assuntos estratégicos e editor do site Defesanet.com.br, visões como essa representam um retrocesso e atrapalham a inserção brasileira em assuntos internacionais.
– Até hoje, não descobri qual a razão de tanta restrição aos EUA por uma parte grande dos militares. Trata-se de uma interação com outras forças militares. Até recentemente não eram aceitos militares estrangeiros no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS). Agora, já tivemos americanos europeus e até chineses. Cabe ao Brasil preservar os seus segredos. Muito do que poderia ser mantido em sigilo antes é hoje devastado pelos satélites de observação – analisa Düring.