Qual o risco de a guerra extrapolar as fronteiras da Síria e mergulhar o Oriente Médio em uma roda de insanidades ainda maior? O que virá depois do bombardeio americano e do ataque químico?
Estas são perguntas que o mundo se faz nesta sexta-feira, horas depois de Donald Trump ter jogado 59 mísseis Tomahawk contra a base de Shayrat, de onde teriam partido os aviões do governo de Bashar al-Assad carregados com gases tóxicos a caminho do vilarejo de Khan Sheikhoun.
A Síria possui um dos maiores arsenais militares de um país árabe na região. Al-Assad não é um líder cambaleante, como outrora foram Hosni Mubarak, no Egito, e Muamar Kadafi, na Líbia. Ou seja, salvo conspirações de última hora, o ditador detém suas forças armadas na mão. Deserções ou insurreições na caserna, que poderiam levar um golpe interno, são improváveis nesse momento.
Seu território está fragmentado, é verdade. Há grandes áreas ainda dominadas por forças da oposição, terroristas do Estado Islâmico e outros grupelhos extremistas, mas o governo mantém o controle da maior parte do país. Há meses, Al-Assad esmagou seus inimigos em Aleppo e Homs, com o apoio da aviação Rússia. Isso nos leva a questionar: o que o teria passado pela cabeça do ditador ao decidir atacar sua própria população com armas químicas? Este é um mistério até agora. Sabe-se que tiranos jogam contra si e seus cidadãos em atos tresloucados quando estão prestes a serem depostos. Não parece ser o caso de Al-Assad.
O risco de a guerra extrapolar as fronteiras sírias é real. Al-Assad pode escolher alvos regionais dos EUA – bases militares na Arábia Saudita, na Jordânia ou na Turquia – ou, de forma indireta, reocupar áreas no vizinho Líbano – onde a Síria mantém influência pesada. Vale lembrar que na bela região das Colinas de Golã, território que Israel retirou da Síria em 1981, soldados sírios e israelenses ficam frente a frente. Não seria improvável que escaramuças trouxessem Israel, aliado incondicional dos EUA, para a guerra.
No Norte, Turquia, que vivia um flerte com os russos, pode ver na oportunidade aberta por Trump um sinal verde para massacrar também militantes curdos do lado sírio. Ataques da aviação turca, que ocorrem com frequência, violam também o território de Al-Assad.
Em seis anos de conflito na Síria, nunca se viu tamanha coesão entre os países ocidentais sobre a necessidade de uma reação ao ataque químico de Khan Sheikhoun. Trump conseguiu apoio dos tradicionais aliados – Israel, Reino Unido e Arábia Saudita, mas há informações de que teria avisado até o Irã de que agiria. Nem Barack Obama conseguiu tamanho apoio no Exterior, quando decidiu bombardear a Líbia de Kadafi. No plano interno, conseguiu, pela primeira vez desde a campanha de 2016 colar as fissuras nas fileiras do Partido Republicano e o apoio dos democratas, como talvez só George W. Bush tenha obtido para atacar o Afeganistão em 2001, pós-11 de Setembro.