Referência mundial em direitos humanos, o gaúcho Jair Krischke foi incluído em uma lista de 13 nomes ameaçados de morte por um grupo paramilitar de extrema-direita, integrado por remanescentes da ditadura uruguaia. Entre os alvos do autodenominado Comando Barneix estão, além de Krischke, o ministro de Defensa do Uruguai, Jorge Menéndez, o promotor Jorge Díaz, um jurista francês e vários advogados conhecidos pela atuação para levar à prisão oficiais que atuaram durante o regime militar no país vizinho, entre 1973 e 1985.
A ameaça ganhou repercussão no Uruguai depois que Díaz recebeu um e-mail assinado pelo Barneix com a mensagem: "para cada suicídio de agora em diante, mataremos três escolhidos aleatoriamente da seguinte lista". Na sequência, vinha os nomes. O comando leva o nome do general uruguaio Pedro Barneix, que se suicidou no ano passado, enquanto era processado por violações aos direitos humanos na época da ditadura.
Presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos brasileiro, com sede em Porto Alegre, Krischke ficou surpreso com a ameaça. Como medida de segurança, avisou a embaixada brasileira no Uruguai. A expectativa é de que o governo brasileiro exerça pressão junto às autoridades uruguaias para que investigue o grupo, segundo ele, formado por militares e antigos integrantes do serviços de inteligência ligados à ditadura. O gaúcho também está organizando, junto aos demais nomes que aparecem na lista, uma audiência com a Comissão Interamericana de Direitos Humanas da Organização dos Estados Americanos (OEA), com sede em Washington, que estará em maio em Buenos Aires.
– As ameaças são muito graves. Vamos pedir à comissão que cobre do Estado uruguaio investigações e que apresente resultados – diz Krischke.
Para ele, a mensagem é mais uma tentativa de intimidação por conta de seu trabalho para levar à Justiça envolvidos na Operação Condor, o acordo entre as ditaduras de Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile para caçar opositores políticos além das fronteiras nacionais nos anos 1970. Krischke é figura conhecida no Cone Sul por sua luta. Em 1978, teve atuação decisiva para libertar Lilian Celiberti e Universindo Diaz, sequestrados em Porto Alegre em uma operação orquestrada por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) gaúcho e integrantes da repressão uruguaia. Em 2010, também contribuiu para a extradição para a Argentina do ex-coronel uruguaio Manuel Cordero Piacentini, preso pela Polícia Federal (PF) em Santana do Livramento, onde morou por vários anos. O ex-militar está detido em Buenos Aires e foi condenado recentemente a 25 anos de reclusão por atuação na Operação Condor. Krischke ainda tem denunciado outro militar uruguaio, coronel Pedro Antonio Mato Narbondo, que segue foragido. Mato foi acusado em 1986 de integrar o esquadrão clandestino que sequestrou e matou em Buenos Aires, 10 anos antes, o senador Zelmar Michelini e o ex-presidente da Câmara de Deputados uruguaia Héctor Gutierrez Ruiz.
Apesar da ameaças, Krischke não se sente intimidado:
– Só louco não tem medo, e eu não sou louco. Essas intimidações não podem atrapalhar o meu trabalho. A gente tem de enfrentar e até aproveitar para pressionar. Temos muitos documentos em nossos arquivos (sobre a ditadura uruguaia), que, inclusive, mostram a atuação do serviço de inteligência militar para espionar jornais, rádios, TV, sindicatos e movimentos estudantis em plena democracia.
Para Krischke, o grupo paramilitar resolveu partir para ofensiva depois que seus membros perderam a proteção do ex-ministro da Defesa Eleuterio Fernández Huidobro, que morreu em agosto. O sucessor, Jorge Menéndez, que aparece como potencial alvo de assassinato, anunciou em janeiro a reativação dos chamados Tribunais de Honra para militares envolvidos em crimes da ditadura. Entre as ações em que o comando é suspeito está um roubo de documentos da sede do Grupo de Investigação em Arqueologia Forense (Giaf), que busca restos de desaparecidos políticos.
No pedido de investigação a ser encaminhado por Krischke à OEA está o de esclarecimentos sobre essa ação. Na mensagem da ameaça, enviada por meio do Tor, software de computador que impede que o usuário seja rastreado, o grupo diz que o suicídio do general Pedro Barneix não ficará impune: "Não aceitaremos nenhum suicídio mais por conta de processos injustos". O militar se matou em setembro de 2015. Ele era investigado pelo assassinato de Aldo Perrini, militante de esquerda da cidade de Colonia del Sacramento, torturado e morto pelas mãos do Batalhão de Infantaria número 4 do Uruguai, em 1974.
OS NOMES QUE CONTAM NA AMEAÇA
Jorge Menéndez, ministro da Defesa do Uruguai
Jorge Díaz, promotor
Louis Joinet, jurista francês
Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos brasileiro
María Bernabela Herrera Sanguinetti, ex-vice-chanceler do Uruguai
Mirtha Guianze, ex-procuradora-geral do Uruguai
Oscar Goldaracena, advogado
Pablo Chargoñía, advogado
Juan Errandonea, advogado
Federico Alvarez Petraglia, advogado
Juan Fagúndez advogado
Hebe Martínez Burlé, advogada
Francesca Lessa, italiana, pesquisadora da Universidade de Oxford